Em escultura não podes iludir determinados elementos: o material, a massa, o peso, a gravidade, o equilíbrio, o lugar, a luz, o tempo, o movimento. Tudo isso está aí, o modo como o tratas define o que fazes.
Richard Serra, em entrevista a Hal Foster, 2004
Em 1968, o escultor Richard Serra produziu um pequeno filme Super 8 de cerca de 3 minutos, intitulado Hand Catching Lead, no qual se via apenas uma mão empenhada em agarrar um conjunto de barras de chumbo que caíam, uma a uma, da parte superior do enquadramento. O movimento da mão, apesar de sistemático e contínuo, prefigurava porém um certo gestualismo mecânico ou automatizado, que parecia fazer referência crítica ao gesto pictórico do expressionismo abstrato. Por outro lado, havia nessa incansável repetição uma citação clara, e crítica uma vez mais, do princípio minimalista sobre a «ordem» percecional determinada pelo efeito de repetir sempre o mesmo módulo, em obediência a uma «ordem» todavia não «racionalista e subjacente» como diria Donald Judd, mas apenas simples «ordem», «como a da continuidade; uma coisa atrás da outra.»[1] Não obstante, a mão apresentada no filme de Richard Serra não pertence, nem poderia pertencer, ao mesmo universo material, dinâmico e fenomenológico de um cubo ou outro sólido geométrico que confirmasse essa «ordem» material, produzido pela indústria, a que o minimalismo frequentemente recorria. Serra convoca a mão como um substituto do objeto, afirmando e imiscuindo assim o princípio da vida, e do corpo, na lógica serial do minimalismo. A mão, parcela ou fragmento desse todo que é o corpo, funciona ao mesmo tempo como dispositivo modelar de filiação e crítica de uma prática que nesses anos 60 conduzira a arte ao cruzamento do tempo e do espaço concretos.
Neste aspeto, a diferença entre minimalismo e pós-minimalismo reside não apenas na expressão de uma conquista de espaço, que no primeiro se afirma na exploração do conceito de white cube da galeria e, no segundo, na invasão do espaço exterior, urbano ou da grande paisagem natural, mas também numa perspetiva processual, marcada por uma diferente interpretação dos conceitos de serialização e repetição como forma mais distanciada de afirmação criativa. É nesse sentido que o filme «Mão agarrando chumbo» é particularmente representativo do vitalismo simultaneamente corporal e conceptual, cruzando a arte com a vida, que caracteriza a maior parte das experiências pós-minimalistas. A propósito deste trabalho, aparentemente enigmático, Rosalind Krauss afirmou: «Um dos aspectos surpreendentes desse filme é a sua persistência incansável — realizar uma determinada tarefa repetidas vezes, sem considerar o “sucesso” um clímax particular qualquer; simplesmente acrescentar uma ação específica à seguinte. […] Ao considerar a repetição uma forma de compor, uma demonstração de quase absurda tenacidade, o filme de Serra inscreve-se numa tradição da escultura que se desenvolvera nos sete ou oito anos que antecederam a sua realização.»[2]
A tradição da escultura a que a teórica norte-americana se refere diz respeito à escultura como «campo expandido» – expressão forjada pela própria Rosalind Krauss[3] — resultante de uma prática hoje identificada como pós-minimalista, onde a repetição modelar de objetos específicos herdada das estratégias de composição minimalistas se converte numa invasão de novos materiais e matérias perecíveis que a partir do espaço da galeria, e depois na exterioridade dos espaços público e natural, realizam uma profunda desobjetualização da obra de arte. O conceito de «objeto-quadro» (que os minimalistas criticaram ao modernismo tardio dos expressionistas abstratos), bem como o de «objeto específico», ainda assim objeto (que os pós-minimalistas da process art e land art criticaram à experiência minimal, introduzindo e desenvolvendo o conceito de «informe» e de «processo», isto é, assumindo o tempo e a sua expressão de transitoriedade no resultado da obra de arte), converteram-se, a partir da segunda metade dos anos sessenta, em estratégias caducas de intervenção artística, pouco condizentes com a ideia de efemeridade que norteava toda a experiência pós-minimalista, nomeadamente a assunção de uma acentuada condição não objetual, quer se apresentasse na expressão de uma desmaterialização total ou parcial da criatividade, quer se afirmasse ainda num jogo com a ideia ou memória de uma certa noção de objetualidade, mais difusa, ambígua ou diáfana.
É precisamente da observação das estratégias espaciais minimalistas que o trabalho «escultórico» de Richard Serra irá desenvolver-se em torno das hipóteses que restam à arte enquanto interpretação crítica sobre as relações entre o espaço, o objeto e a sua desconstrução. Depois de uma experiência profissional (a par dos estudos de literatura moderna) ligada às indústrias metalomecânicas do aço e do ferro, e ao assumir a tridimensionalidade da escultura numa nova dimensão, que ultrapassa em definitivo a noção de objeto à escala do corpo humano, Serra aprofunda uma «escultura» que se experiencia na fragmentação da unidade objetual para se projetar na amplitude possível do espaço envolvente. Deste modo, exemplo máximo de uma nova reconfiguração do lugar da arte a partir da manifestação da obra no espaço da galeria será não apenas Splashing (1968) como Casting (1969), duas das mais decisivas das suas Splash Series.
Realizada especificamente para a exposição Nine at Leo Castelli (que, comissariada por Robert Morris, apresentou apenas trabalhos relacionados com a noção de antiforma), Splashing consistia em projetar ou salpicar chumbo líquido no encontro entre a parede e o chão da galeria, repetindo-se esse mesmo gesto, em Casting , de modo serial, ao longo do chão, com a ajuda de placas de aço que depois do chumbo líquido solidificar eram retiradas, dando assim a ideia de uma espécie de geometrização impura do espaço da galeria, pois à linearidade definida pelas placas correspondia o resultado ocasional e informe do chumbo solidificado. Deste modo, tanto Splashing como Casting representam um extraordinário investimento na instabilização da noção de obra de arte, entendida enquanto objeto ou obra permanente, que aqui fica invariavelmente ligada ao transitório. Essas duas experiências promoviam uma crítica do objeto de arte não só porque convocavam o processo alquímico da solidificação do chumbo (matéria inusual), mas também porque não ‘podiam” ser retiradas do seu lugar, pois nesse caso desapareceria a sua materialidade (como viria a acontecer), reforçando assim a importância da temporalidade e da imaterialidade objetual nesse novo processo criativo e comunicacional. Por outro lado, estes trabalhos fazem ainda referência, não só à action painting de Pollock, na assunção do acaso formal do salpicar, como ao minimalismo, nomeadamente pela interseção entre chão e parede (escultura e pintura), ou entre chão e placa, ficando sobretudo marcada por essa ambiguidade formal-objetual e estética que configura uma nova e radical «especificidade espacial», como refere Douglas Crimp.[4]
Na verdade, à conquista da espacialidade da galeria levada a cabo pelo objetualismo minimalista, através da convocação de outros sentidos para além da opticalidade pura concentrada na planaridade da abstração pictórica, a process art e o conceito antiform projetaram uma extrema desobjetualização da obra de arte, abrindo definitivamente o caminho para o domínio e pluralidade dos «ambientes» e da «instalação». Do político à poética individual, a experiência artística da década de 70 viria assim a considerar uma libertação dos limites puristas ou objetos da obra de arte, assumindo cada vez mais uma interdisciplinaridade conceptual ou de conteúdo no cruzamento de referências materiais e estéticas que complexificariam decisivamente uma orientação mais precisa ao nível do aparato formal e processual da criatividade artística.
Outro trabalho de Richard Serra emblemático desta fase é On Ton Prop. House of Cards , uma das suas célebres Prop Sculptures (Esculturas Sustentadas), onde, apesar da aparente objetualidade da proposta artística, se apresenta apenas o equilíbrio natural das quatro enormes placas de chumbo, de 250kg cada, encostadas umas nas outras, a partir dos cantos superiores, sem utilização de qualquer meio de sustentação artificial, a não ser a pressão exercida pelo peso das quatro placas em relação umas às outras. Como dirá mais tarde Rosalind Krauss, «Dessa forma, Serra cria uma imagem de escultura como algo constantemente compelido a renovar a sua integridade estrutural mantendo o seu equilíbrio. Serra substitui o cubo enquanto “ideia” — determinada a priori — pelo cubo existente — criando a si próprio no tempo, em total dependência com relação aos aspectos de sua superfície em tensão.»[5] Ao cubo atemporal e moldável pela intervenção técnica e psicológica do artista a que este trabalho parece fazer referência, Richard Serra apresenta na verdade um cubo que só o é temporariamente, enquanto o equilíbrio se mantiver e todas as partes envolventes permanecerem no seu lugar.
É assim da ordem da existência efémera que este cubo de aparência perene nos fala, como se o peso da sua condição material se tornasse na mais leve das interdependências transitórias. Aliás, a assunção da transitoriedade no trabalho de Richard Serra assume maior evidência em Placas de Aço Empilhadas (1969), pois as especificidades materiais utilizadas nesta obra determinam efetivamente a sua forma e sustentabilidade ao nível do equilíbrio e presença fenomenológica. A obra «termina no ponto em que o acréscimo de uma única placa ao conjunto acarretaria o desequilíbrio e a destruição da escultura.»[6] Com efeito, a obra fica assim à mercê de uma evolução, de um tempo, pois o seu equilíbrio é precário e qualquer alteração mínima das condições da sua sustentação implica, necessariamente, o seu desaparecimento, estratégia em tudo oposta à grande arte dos museus, dado que aí prevalece a ideia de uma intemporalidade intocável e aparentemente indiscutível. O efémero e o transitório são as grandes referências estratégicas da escultura de Richard Serra, ao ponto de poderem ser confirmadas numa longa lista de verbos transitivos elaborada como apontamento pelo artista, entre 1967 e 1968, e onde se podia ler, de um modo final sintomático acerca das suas preocupações processuais e criativas: «rolar, vincar, dobrar, armazenar, curvar, encurtar, torcer, trancar, manchar, esmigalhar, aplainar, rasgar, lascar, partir, cortar, separar, soltar.»[7] Aqui, tal como nos lembra Rosalind Krauss, «em lugar de um inventário de formas, Serra regista uma relação de atitudes comportamentais. Percebemos, contudo, que esses verbos são, eles próprios, os geradores de formas artísticas: são como máquinas que, postas em funcionamento, têm capacidade de construir um trabalho.»[8]
Apesar de ele próprio não se considerar um artista determinante no que à land art norte-americana diz respeito, referenciada fundamentalmente às grandes intervenções no espaço da natureza denominadas earth works , Richard Serra realizou, todavia, no início dos anos 70, alguns trabalhos e intervenções de grande escala, ao nível da paisagem natural. Basta lembrar, entre outros, Detour ou, em homenagem assumida a Robert Smithson, Spin Out, essa escultura «expandida» numa recôndita e tranquila paisagem holandesa, confiada ao Rijksmuseum Kröller Müeller, Otterlo. Detour (1970-72), realizado no Ontário, Canadá, consistia num conjunto de seis paredes retilíneas, de cimento, que pareciam sair do nível térreo imediatamente inferior, delimitando assim um novo percurso na paisagem, uma ideia de caminho e de caminhada, impondo ao visitante uma nova passagem no espaço da natureza. Aliás, Rosalind Krauss identifica a «ideia de passagem» como uma espécie de obsessão da «escultura em campo expandido», ao afirmar: «Encontramo-la no Corredor de Bruce Nauman, no Labirinto de Morris, no Desvio de Serra e no Spiral Jetty de Smithson. E, com essas imagens de passagem [conclui], a transformação da escultura — de um veículo estático e idealizado num veículo temporal e material —, que teve início em Rodin, atinge sua plenitude. Em cada um dos casos, a imagem da passagem serve para colocar tanto o observador como o artista diante do trabalho, e do mundo, numa atitude de humildade fundamental a fim de encontrarem a profunda reciprocidade entre cada um deles.»[9]
A um outro nível, o valor e a importância histórica de Richard Serra podem ainda ser aferidos pelo interesse manifestado por alguns artistas de novas gerações, citando-o muitas vezes como referência de uma prática artística determinante e, ao mesmo tempo, a combaterer pelo revisionismo inspirador ou pela crítica. É o caso de Matthew Barney, que, no seu filme Creamaster 3, o investe da figura de mestre que preserva o último andar do Museu Guggenheim de Nova Iorque, espécie de derradeiro nível de dificuldade em The Order, o nome do jogo aí ficcionado, já sem qualquer ligação, no entanto, à «ordem» minimal que, nas suas ramificações positivas, críticas ou contestatárias, dominou a cena artística das últimas décadas. Serra vê-se aí confrontado com a energia e o confronto declarado pelo jovem Matthew Barney. Como num jogo da PlayStation, Serra é o guru ou a figura maior, não só do mundo da arte, como ainda da maçonaria que arquitetou a organização e a ordem social de um tempo, simbolizadas pela cúpula do Chrysler Building. Esta concentração ou projeção de significados remete, assim, para o estatuto do artista que sempre adotou a designação de «escultor», mesmo sabendo que a sua prática implicava uma rutura com a autonomia disciplinar e a tradição modelar do exercício da escultura.
O que Richard Serra promove com os seus trabalhos é, sobretudo, um envolvimento interdisciplinar e desobjetualizador da experiência tridimensional, não abdicando da sua repercussão fenomenológica, antes pelo contrário, como se pode verificar no largo conjunto de peças elípticas realizadas desde os anos 80 e 90 até hoje, observáveis, por exemplo, na grande exposição «Matéria do tempo», patente no Guggenheim de Bilbao, ao mesmo tempo que mistura a «ordem» e a «serialização», de origem minimalista, com uma conceptualização do espaço de apresentação da obra , sugerindo, ainda e sempre, uma experiência de caráter estético inequívoco e, por vezes, extraordinário, sobretudo evidente nas grandes peças de aço corten realizadas para os espaços públicos urbanos, que reelaboram, dialogando e confrontando, a nossa perceção com o espaço arquitetónico, com destaque, naturalmente, para Tilted Arc (1981), esse grande «lençol» de aço inclinado (tilted ) que, a partir de motivações igualmente estéticas e políticas, redesenhou, transformando por completo, a Federal Plaza, em Nova Iorque, ao sublinhar o seu carácter de espaço disjuntivo e contraditório. Aliás, após alguns anos de existência nesse espaço específico de Manhattan,Tilted Arc viria a ser retirado em 1989 pelas autoridades, por razões pouco claras, entre argumentos a favor e contra a permanência da obra (os seus críticos, em particular os transeuntes que trabalhavam nos escritórios de downtown, acusavam a obra e o artista de lhes terem cortado o plano visual na sua horizontalidade e de os obrigar a contornar a peça até conseguirem atravessar a praça – o que implicava uma leitura política, pois limitava a eficácia das ligações físicas e visuais daquelas que promovem as relações entre o poder político e o sistema financeiro), chegando a ser proposta a sua transferência para uma área de jardim mais ampla, o que significou o fim do próprio trabalho, pois, como definira Richard Serra desde Splashing , e agora voltava a defender em tribunal: «trasladar a obra é destruí-la».
Por outro lado, o artista defendeu queTilted Arc testava uma dupla transformação. Primeiro, de carácter físico e espacial, através da perturbação na travessia da praça. Depois, de teor estético e simbólico, contrariando não só o desenho urbano e arquitetónico do espaço livre na área central dessa praça, como também o apreço pelas linhas ortogonais ou verticais associadas à escultura pública, ao introduzir uma inusitada dignificação da horizontalidade, através das linhas oblíquas dessa nova proposta. As pessoas que diariamente percorriam a Federal Plaza, habituadas às convenções figurativas da estatuária ou da abstração em altura e a harmonia passiva com o espaço envolvente, não aceitavam o valor perturbador da longa inclinação elíptica, acentuada ainda pela textura matérica da peça, isto é, sentiam como um obstáculo a curva ostensivamente espacializada nesse corte transversal. Nas palavras do próprio artista, esse bloqueio acontecia porque os frequentadores da praça nunca tinham sido confrontados com a afirmação espacial da linha curva e horizontal, pois «nunca tinham visto isso antes. Todo o modernismo foi feito com base no ângulo reto. Todo o século XX era um ângulo reto.» Na verdade, o princípio da especificidade do lugar, apurado desde as experiências de vanguarda nos anos 60 — que Rosalyn Deutsche desenvolveu no seu estudo fundamental Evictions. Art and Spatial Politics (1996)[10] —, mantinha-se inalterável cerca de vinte anos mais tarde, aquando da polémica leitura sobre os resultados sociais, estéticos e políticos de Tilted Arc, pois a consideração das coordenadas do lugar em causa determina, tal como no trabalho de arquitetura, a forma, a dimensão e o caráter da proposta de arte, que não terá assim qualquer hipótese de sobrevivência alternativa, pois não se trata de um objeto que decora o espaço público, mas que, pelo contrário, o reconstrói, no sentido de uma reivindicação ativa do lugar público enquanto lugar de expressão da democracia. No fundo, tal como escreve Michael Sorkin: «o esforço por reclamar a cidade é o mesmo da luta pela própria democracia.»[11] Neste contexto, poderemos destacar também Street Levels, essa intervenção que condiona, de um modo extremo, uma passagem pedonal em Kassel, na Alemanha, ou ainda Fulcrum (1987), essa peça interativa que se impõe verticalmente como referência de transitoriedade na «city» de Liverpool, em Inglaterra, como expressões maiores do investimento de Richard Serra ao nível de uma intervenção artística que compreende sempre a magnificência da matéria, na sua relação com a inexorável erosão do tempo, e o espaço natural ou arquitetónico envolvente.
Também aí, isto é, no espaço público muitas vezes hiper codificado pelo exercício do capitalismo, o conceito de site-specific atua enquanto procedimento de interação fenomenológica, concreta e simbólica. Como sintetizou Miwon Kwon: «seja no white cube ou no deserto de Nevada, seja na sua dimensão arquitetónica ou orientada para uma paisagem, a arte de sítio específico, tomou inicialmente o lugar como uma localização real, uma realidade tangível, e a sua identidade composta numa combinação única de elementos físicos: comprimento, profundidade, altura, textura, em forma de paredes e quartos; escala e proporção de praças, edifícios ou parques; condições existentes de ligação, ventilação, padrões de tráfego, topografia distintiva, recursos, e assim por diante.»[12]
O próprio Richard Serra defenderá a este propósito, numa conferência proferida na Universidade de Yale, que «as obras site-specific lidam com o meio ambiente dos lugares. A escala, a dimensão e a localização dessas obras são determinadas pela topografia do lugar, seja este urbano, uma paisagem ou um recinto arquitetural. […] A especificidade dos trabalhos orientados para o local ou sítio específico reside no facto de serem concebidos para e na dependência ou inseparabilidade de sua localização. A escala, a dimensão e o posicionamento de elementos escultóricos resultam da análise de um determinado sítio, levando em consideração não apenas as características formais mas sociais e políticas desse sítio.»[13] Todos os elementos se conjugam e acabam, assim, interligados ou dependentes uns dos outros. Em qualquer processo de significação artística ligado à natureza da exposição pública no espaço exterior (urbano ou paisagístico), interiorizamos um valor global, multidimensional e compósito, constituído pelos efeitos de aceitação, rejeição ou osmose de leituras e interpretações que circulam entre o social, o político — associado ao histórico dos lugares específicos — a ação motora, corporal ou fenoménica e o puramente formal da experiência estética ou contemplativa, produzida por cada um dos cidadãos-observadores. No caso específico das propostas de Richard Serra para o espaço urbano, o transeunte que com elas se confronta transforma-se, quase sempre, e em primeiro lugar, em observardor, porque pressente, afinal, estar perante uma peça de expressão aparentemente «escultórica». Mas, num segundo momento, é como cidadão que atua, pois a ele se impõe um valor de consciência, comunhão e partilha social dessa percepção estética mais ruidosa, porque produzida no espaço público exterior, longe da experiência de intimismo proposta pela galeria ou pelo espaço museológico – esses lugares da arte nos quais nos evadimos com maior facilidade, ausentes que estamos de uma maior consciência desse «aqui e agora» que nos exige uma ação pública de cidadania.
[Versão original in Arqa – Revista de Arquitectura e Arte , n.º 54, fevereiro, 2008]
[Na imagem, Tilted Arc , 1981-1889, Federal Plaza, Nova Iorque]
1 | ↑ | Donald Judd, «Specifics Objects», in Arts Yearbook 8, (1965), p. 82. |
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2 | ↑ | Rosalind Krauss , Caminhos da escultura moderna, (1977), (trad. português do Brasil de Julio Fischer). São Paulo, Martins Fontes Editora, 1998, pp. 291-292. |
3 | ↑ | Cf. Rosalind Krauss, «Sculptures in the Expanded Field» in October , n.º 8, primavera de 1979. |
4 | ↑ | Cf. Douglas Crimp, «Redefining Site Specificity», in On Museum Ruins . Cambridge, Massachusetts, MIT Press, 1993, pp. 150-199. |
5 | ↑ | Rosalind Krauss, Caminhos da escultura moderna, p. 322. |
6 | ↑ | Idem, pág. 328. |
7 | ↑ | A relação completa desta lista de verbos transitórios está reeditado em Gregorie Müller, The New Avant-Garde. Londres, Pall Mall, 1972; Nova Iorque, Praeger, 1973, sem paginação. [Informação colhida em Rosalind Krauss, op. cit., p. 357] |
8 | ↑ | Idem ., p. 331. |
9 | ↑ | Idem , p . .342. |
10 | ↑ | Cf. Rosalyn Deutsche, Evictions. Art and Spatial Politics , Nova Iorque, Cambridge, Massachusetts, MIT Press, 1996. Em particular, o ensaio «Agorafobia», contido nessa edição, que sublinha as questões da acessibilidade democrática sobre o destino das obras de arte produzidas para o espaço público, como Tilted Arcde Ricardo Serra. Sobre esta questão cf. ainda Clara Weyergraf-Serra e Martha Buskirk (ed.), The Destruction of Titled Arc: Documents , Cambridge, Massachusetts, The MIT Press, 1991. |
11 | ↑ | Michael Sorkin, «Introduction: Variations on a Theme Park», in AA.VV., Michael Sorkin ( ed.), Variations on a Theme Park. The New American City and the End of Public Space , Nova Iorque, The Noonday Press, 1992, p. xv. |
12 | ↑ | Cf. Miwon Kwon, One Place After Another Site-specific Art and Locational Identity, Cambridge Massachusetts, The MIT-Press, 2004 , p. 11. |
13 | ↑ | Richard Serra, «From the Yale Lecture», in Art in Theory 1900-2000: uma antologia de ideias em mudança – Malden, Oxford e Victoria: Blackwell, 2006 (nova edição), p. 1096. |