I have seen more than I remember, and remember more than I have seen
Benjamin Disraeli
Determinada ainda pela observação de gente que espera e desespera, Filipa César parece ter atingido o requinte do equilíbrio formal com esse mais recente trabalho em vídeo, sintomaticamente intitulado Berlin Zoo Part 02 (2003). Em grande plano, uma pessoa de olhar suspenso e concentrado algures no ar é, uma vez mais sem o saber,
observada por uma câmara de filmar, revelando assim diretamente as reações mais ou menos controladas do seu estado de espírito. A câmara capta então um semblante pesado, confirmando a deceção desenhada pelas suas expressões faciais. Percebemos então que o esboço de desilusão estampado nesse rosto é, na verdade, determinado pelos atrasos dos comboios debitados no painel de informações dessa estação de comboio que dá nome à instalação vídeo. Porém, à apropriação dos instintos mais quotidianos destes anónimos protagonistas, Filipa César associa, em rigorosa montagem, gorjeios e trinados de pássaros, convertendo as imagens num impiedoso e humorístico processo de reconhecimento, identidade e significação, transformando assim uma situação afinal comum num registo alegórico que reforça a animalidade dos nossos instintos mais elementares, pontuando ao mesmo tempo uma nítida proximidade, não só comportamental como ainda geográfica (o zoo de Berlim fica ali mesmo ao lado), em relação às espécies animais que muitas vezes tendemos a considerar distantes do nosso estádio de evolução.
Ao repetir várias vezes essa sugestão de familiaridade entre o ser humano e os animais, Berlin Zoo promove uma curiosa circularidade, onde a surpresa parece marcar não só o ritmo das reações dos observados como esse extraordinário processo de hilariante identificação que cresce entre os observadores. Tomados inicialmente como voyeurs, estes acabam rendidos à evidência de que também eles viveram já, inúmeras vezes, o desespero de uma situação semelhante.
Observar quem espera pode assim significar, na verdade, não só um momento derrisório e desarmante, como ainda um modo outro de aquilatarmos sobre a nossa verdadeira identidade, perscrutando simultaneamente a nossa dimensão animal, humana e maquínica.