1995 a pequena memória das grandes cidades Mântua

a pequena memória das grandes cidades

I have seen more than I remember, and remember more than I have seen

Benjamin Disraeli

 

No Palazzo Ducal de Mântua, fiquei extasiado com Andrea Mantegna, um pintor de traço firme, quase escultural, obsessivo na representação dos pormenores das figuras, que estrutura a composição na plenitude da sua expressão espacial, sempre sublinhada pelo domínio do desenho e da perspetiva linear. Mantegna segue a interpretação filosófica do amor de Marsílio Ficino, e este uma lógica de superação, obedecendo às etapas do amor descrito por Platão. Recorde-se que o filósofo florentino marcou, com a sua obra “Theologia Platonica”, para além dos seus conterrâneos, músicos, pintores, pensadores latinistas e helenistas, o espírito de alguns dos maiores poetas humanistas do Renascimento, como os portugueses Sá de Miranda e Luís de Camões. A importância da sua intperpretação e defesa de Platão levou a que tivesse fundado a Academia Platónica de Florença, e sido nomeado seu diretor, em 1462. Nas paredes e nos tetos deste Palazzo Ducal, Mantegna dá-nos, na esteira de Platão, a magnífica visão de um mundo que foge das sombras para a luz do mundo real.

Também em Mântua, mas rasgado pela dramatização das “Metamorfoses” de Ovídio, recordo as mitologias sensuais (quase eróticas) da Sala da Psique, pintadas de modo maneirista por Giulio Romano no Palazzo de Te. Ninguém fica indiferente à forca imaginária do poema narrativo de Ovídio e da sua interpretação livre nas figuras de Romano. Somos literalmente tomados pelo valor dessas histórias de ‘metamorfose’ e transfiguração entre deuses e de homens, e destes em fontes, árvores, rios, pedras, animais… Mergulhamos num mundo, sem moral, de ficção e realidade, extasiados apenas pela amplitude artística, pela sua ambição de liberdade, de vida.