I have seen more than I remember, and remember more than I have seen
Benjamin Disraeli
Agitam-se as almas: «Aquila… Drago… Civetta… Bruco…» – alinhados pelo anúncio metálico do megafone, dez cavalos estão prontos a arriscar tudo na Piazza del Campo, o coração de Siena. Dominada pela cor de tijolo, a cidade oferece uma das praças mais belas de Itália, com a sua forma em leque, irregular e inclinada pelas diferentes cotas. Para a podermos ver, pelo menos uma vez na vida, corremos milhares de quilómetros sem nada questionar, levados apenas pelo amor das pedras ou dos telhados. Nervosos, os protagonistas da corrida, esses equus ferus “santificados” pelas Contrade, passam aos milhares da assistência o clima de tensão que caracteriza sempre a angústia antes do início da corrida louca. É dia 16 de Agosto de 2014 e assistimos ao Palio dell’Assunta, que nessa data todos os anos se reedita, em homenagem à Ascensão da Virgem Maria. Ao disparo de partida, explode o entusiasmo dos bairristas e daqueles que apostaram forte no seu cavalo. Os gritos dos apostadores misturam-se com o deslumbramento dos turistas ocasionais que, como nós, sentem crescer o privilégio do instante, o registo gravado para sempre nesses flashes de cascos a galope e apelos desesperados à vitória, imagens de cavalos desequilibrados, ferindo-se nas extremidades do recinto, e pessoas concentradas na energia da corrida, seguindo-a com um olhar de 360º e o corpo a rodar sobre si mesmo. Com cavaleiros caídos, atirados ao chão na curva impossível, o choro dos que antecipam a derrota confirma cedo a exceção dessa tarde. Três voltas depois, a Piazza extasia com a mais recente vitória de Civetta, nessa hora, o cavalo mais amado do planeta. Receberá novo drappellone, o troféu por todos desejado, em mais um dia na história do Palio, a mítica disputa de Siena. No estrondo da vitória, legiões de fanáticos correm pela terra seca da praça com as suas bandeiras de cores estridentes. Abraçam os cavalos arfantes, como se não houvesse amanhã. E, quase roucos, gritam uma catarse de orgulho e rivalidade. A atmosfera aí presente relembra-nos quão ancestral na empresa da glória eterna é essa relação entre o homem e o cavalo. Assistir ao lento esvaziamento da Piazza del Campo pressupõe, porém, a consciência de um adeus ao irrepetível. Pela noite dentro, sem a nossa presença, a festa continuará na Catedral, nas ruelas quentes e alegres da cidade medieval que um dia rivalizou com Florença pelo domínio da Toscânia.