2000 Arte, mercadoria e ocasião Miguel Palma

Arte, mercadoria e ocasião

 

Prosseguindo com o ciclo “Interferências”, Pedro Lapa (Director do Museu do Chiado) apresenta desta vez o rescaldo de um work in progress meticulosamente elaborado por Miguel Palma. Em “Exposição de Ocasião”, o artista procurou integrar alguns dos seus trabalhos no circuito comercial mais comum, parodiando os sistemas de classificação e hierarquização que caracterizam não só os jornais que publicitam a venda ou a permuta dos mais variados produtos como o próprio meio artístico. Ao registar todo o tipo de respostas à sua solicitação de venda de obras de arte, Miguel Palma deparou-se mais com a indefinição das propostas de compra do que com qualquer lucro imediato. Os interessados em adquirir os seus trabalhos duvidavam dos anúncios publicados por Miguel Palma em diversos periódicos nacionais e estrangeiros. No fundo, os constantes pedidos de esclarecimentos revelam como o subsistema da arte condiciona quase em absoluto a atribuição de valor à obra de arte. Fora do seu sistema normal de classificação, a obra de arte contemporânea (nomeadamente a instalação) perde muito do seu valor específico, confundindo-se assim na panóplia dos objectos do quotidiano. Todavia, a disfuncionalidade que Miguel Palma opera na maioria dos objectos utilizados nas suas instalações inviabiliza qualquer comercialização dessas mesmas propostas. Após a transformação de um objecto quotidiano em obra de arte, o seu regresso ao mundo da funcionalidade converte-se num estranho processo de reavaliação. Confundindo valor de uso, valor de culto e valor de troca, Miguel Palma parece extremar uma das perspectivas mais decisivas da estratégia do readymade. Questionando o objecto, o seu lugar, recepção e sistema de comercialização, o artista reforça a ambiguidade e a oscilação de valor que caracteriza a obra de arte contemporânea quando confrontada com a aventura de uma maior e mais ampla afirmação no espaço público.

De facto, o valor de signo de uma obra de arte altera-se radicalmente quando o universo funcional ou de recepção se vê também ele alterado. A aura da obra de arte, tal como a havia determinado Walter Benjamin em A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica, vê-se igualmente confundida enquanto mercadoria transacionável em distintos universos de valor material e cultual. Imiscuída no valor de um mais vasto campo de intervenção comercial, a obra de arte contemporânea tende a perder todo o seu valor e especificidade, sublinhando-se desse modo o poder institucional que a orienta, produzindo todo um conjunto de sentidos e significados só apreendidos no contexto do meio artístico.

 

(versão original: in Agenda Cultural de Lisboa, Setembro de 2000)