2005 Cinefilia aguda Janela Indiscreta

Cinefilia aguda

 

Com o final do ano, é chegada a hora de esclarecer um pouco as razões desta minha “Janela Indiscreta”. Motivado essencialmente por uma cinefilia aguda, essa “doença” que atinge muitos de nós de um modo mais ou menos consciente, tenho vindo a realizar (desde o passado mês de Novembro) a apresentação crítica de alguns filmes estreados nas salas de cinema do nosso país. Se ainda é cedo para fazer um balanço, não deixa de ser oportuno apresentar os critérios pelos quais se rege esta coluna. Há muito que escrevo sobre cinema e a minha relação apaixonada com a “sétima arte” começou, como é comum, em criança, quando me deixei levar pelas primeiras narrativas envolventes, pelos primeiros efeitos visuais, por essa magia inesgotável que nos invade a imaginação. Como visitante assíduo de muitas salas de cinema de Lisboa, frequentador da Cinemateca Portuguesa, consumidor compulsivo de DVDs e publicações sobre cinema, vejo-me como um cinéfilo humilde mas insaciável, que todos os dias procura ver mais filmes, aprender mais com quem sabe e assim alimentar esta sede de imagens e argumentos marcantes. Por isso, é apenas na condição de cinéfilo que ouso escrever sobre cinema, assumindo com toda a naturalidade e dimensão do que escrevo e obedecendo apenas ao meu gosto e entusiasmo, salvo quando o objeto em causa me obriga ao contrário. Para lá dessa tarefa menos apetecida, é sobretudo a magia do cinema que procuro aqui homenagear e o objetivo essencial desta “Janela Indiscreta” é aproximar os leitores de “Vida Ribatejana” das salas de cinema, do visionamento maravilhado desse grande espectáculo que atrai milhões e milhões de pessoas em todo o mundo. Por isso, prefiro escrever sobre os filmes que me fascinam e ao mesmo tempo enriquecem a minha experiência. E porque o cinema é sempre uma espécie de janela sobre a vida (ainda que fundamentalmente imaginada ou fantasiada), o título aqui escolhido surge não apenas nesse sentido literal, como ainda, e essencialmente, enquanto homenagem a Alfred Hitchcock, o realizador que desde cedo me aproximou do passado das imagens e da cultura cinematográfica. Como cineasta, Hitchcock ficou conhecido pela sua mestria na arte do suspense, embora o seu valor em muito ultrapasse esse lugar comum, tendo realizado uma obra simultaneamente inovadora e popular, marcada, entre outras, por obras-primas como “Rebecca” (1940) , “Notorious-Difamação” (1946), “Rope-A Corda” (1948), “Strangers on a Train-O Desconhecido do Norte Expresso” (1951), “Rear Window-A Janela Indiscreta” (1954), “Vertigo -A Mulher Que Viveu Duas Vezes ”(1958),“ North By Noroeste-Intriga Internacional ”(1959),“ Psycho-Psico ”(1960) ou ainda“ Birds-Os Pássaros ”(1963). Por outro lado, depois de “Vertigo” (o filme da minha vida, parafraseando aqui João Bénard da Costa, um dos meus mestres) “A Janela Indiscreta” é a minha obra favorita de Hitichcock.A relação que aí se processa entre suspense, voyeurismo e interpretação sobre aquilo que se vê e o que se imagina ver é uma das lições mais extraordinárias que me foram dadas a ver até hoje sobre conceitos tão importantes para o cinema como visão (ocular, testemunhal, individual e colectiva), imagem (nítida ou desfocada), som (real ou construído), montagem e narrativa, intriga, dedução e mistério. Também nesse sentido, “Janela Indiscreta” é um título a todos os níveis inspirado no cinema e na nossa relação de espectadores da imagem cinematográfica. É afinal o impulso de ver, numa liberdade quase indiscreta de espreitar outras vidas, a razão principal que nos conduz, religiosamente, a uma sala de cinema. Depois de entrarmos, iluminados pela luz da projecção, desejamos apenas mergulhar nessa viagem desconhecida, aprofundar os sentidos e a significação, saber o que acontece do outro lado da janela ou do ecrã, confundindo assim, por umas horas, o real daquilo a que chamamos vida.

 

(sem estrelas) – Péssimo.

* (uma estrela) – Fraco.

** (duas estrelas) – Razoável.

*** (três estrelas) – Bom.

**** (quatro estrelas) – Muito bom.

***** (cinco estrelas) – Obra-prima.