2023 Coragem e arte O neorrealismo visual e o compromisso com a modernidade

Coragem e arte

 

 

Não há arte sem um olhar que a veja como arte.

Jacques Rancière

 

Toda a realidade é mito, uma forma de narrativa.

Roland Barthes

 

 

Para o filósofo francês Michel Serres, “metáfora significa, justamente, transporte. Esse é o método de Hermes: ele exporta e importa, portanto, atravessa; ele inventa e pode enganar-se, devido à analogia; perigosa e mesmo, em rigor, proibida, não se conhece, contudo, outra via de invenção. O efeito de estranheza da mensagem provém dessa contradição, a de que o transporte é a melhor e a pior das coisas, a mais clara e mais obscura, a mais louca e a mais segura.”[1] Por isso, o provérbio chinês que diz: “A coragem da gota de água é que ousa cair no deserto”, assalta-nos o espírito pela beleza subtil até nós transportada, pela transparência ofuscante contida nessa ideia de aventura e pacto com um destino aparentemente perdedor, se aceitarmos as infinitas limitações da gota de água face à amplitude do deserto. A “via de invenção” que aí nos é transmitida, resulta, na sua sedução e estranha envolvência, enquanto poderosa metáfora de uma realidade associada ao ciclo da natureza e, sobretudo, à persistência funcional da sua continuidade cósmica.

Necessária e incontornável, a “coragem da gota de água…” configura ainda outra ideia de transporte, a imagem de uma determinação cíclica comparável aos impulsos de intervenção social da arte, produzida quase sempre contra todas as conjunturas e onde se impõe aquela vontade projetiva em relação à qual, por um instante, nada parece resistir. Mas entre promessas de emancipação e poéticas resistentes, o apelo de mudança que associamos ao exercício artístico apresenta, na verdade, um largo espectro, episódios de formulação diversa, mais hábeis ou inconsequentes na sua capacidade de comunicação, recolhidos afinal desde as civilizações pré-clássicas até aos nossos dias. Inspirados por essa aproximação, será justo pensarmos que toda a obra de arte é como uma gota de água que cai no deserto, impotente enquanto ação individual sobre os destinos coletivos, mas intrépida na sua prossecução, vinculada sempre a um objetivo comum, a firmeza do seu contributo e influência sobre o observador.

Na tradução deste provérbio, o conceito de “coragem” constitui-se ao mesmo tempo como um atributo da gota de água, humanizando-a na assunção do livre arbítrio, capaz assim de lhe colar, justamente, uma capacidade de decisão, uma “ousadia” extraordinária perante a sua reduzida esperança ao “cair” no deserto. A transferência de predicados entre os elementos naturais em ação e os seres humanos por ela investidos abre aqui uma consideração maior sobre a própria natureza humana e a sua capacidade de compromisso e determinação. Como escreveu André Malraux, em 1943, no contexto doloroso da Segunda Guerra: “O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas: é que, da nossa própria prisão, de dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância.”[2] Sejam imagens mentais, conceitos, ou imagens produzidas enquanto expressão de arte, é no fundo todo esse mistério e o desejo da sua compreensão que promove em nós um sentimento inabalável de progresso, coragem e decisão, mesmo perante a ameaça do insucesso e a autoconsciência dessa “insignificância” que nos silencia.

 

Se não muda o mundo, a obra de arte muda…

Inocente, excessivamente confiante nos seus resultados extra-artísticos, a obra de arte manteve sempre, porém, um diálogo de harmonia ou conflito com o seu tempo histórico e as estruturas sociais que o determinam. Apesar do hipotético desejo de interferência no conjunto da sociedade, toda e qualquer obra de arte possui uma idiossincrasia que produz não apenas o seu lugar material e simbólico num longo processo de significação, como ainda uma reinscrição em potência do seu contributo à experiência de receção artística, a qual se pode constituir como outra esfera de influência social.

Na verdade, se não muda o mundo, a obra de arte realiza uma relação produtiva, constituinte, a cada momento, do reconhecimento coletivo sobre uma identidade comum, apoiada na expressão de uma humanidade codificada em plasticidade e formulação estética, perdida ou reencontrada na linha do tempo e nas suas ambíguas coordenadas. Como nas palavras luminosas de Thomas McEvilley: “A arte tem como principal função social a definição do eu coletivo – e a sua redefinição em função da evolução da coletividade. As suas imagens, qualquer que seja o seu grau de variedade, de mistério ou de abstração, fundem-se com o espírito coletivo em algo semelhante a um rosto vacilante ante o espelho.”[3]

A arte como práxis e constructo social articula, neste âmbito, uma experiência quase invisível, traduzida como espécie muito particular de inconsciência sobre o valor ou a identificação estabilizada do seu contributo, tal como Giorgio Agamben nos alertou sobre a natureza mesma do “contemporâneo” e das suas circunstâncias de reconhecimento. Contrariando o significado comum sobre o tempo vivido enquanto expressão de atualidade, e ao evocar Roland Barthes e Nietzsche na ideia de uma “inatualidade do contemporâneo”, escreve o filósofo italiano: “Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo. […] A contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com o seu próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias. […] Aqueles que coincidem plenamente com a sua época, que em todos os aspetos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela.”[4] É assim esta invisibilidade que atribui ao tempo que experimentamos no período da nossa vida a simultaneidade e o paradoxo: o convívio inconsciente da sua inquietude intempestiva e a impossibilidade da leitura social ou histórica dos seus significados. E esta análise é tanto válida para os indivíduos, como para os grupos, os movimentos artísticos ou mesmo os povos. Subterrânea, a vida manifesta-se ao manifestar a inconsciência da sua determinação. Desde as teses de Sigmund Freud, e a expansão da psicanálise, que somos ou nos reconhecemos como um iceberg, que uma boa parte de nós, a parte que nos impulsiona a sermos quem somos, está escondida sob a superfície. Somos mais subconsciente do que sabemos e isso abala qualquer um de nós no plano existencial. Em certa medida, a nossa relação com a obra de arte resulta de uma conjugação de caminhos que julgamos dominados pelo processo de significação que a linguagem e o seu racional viabilizam, mas que, no fim, acabam dependentes de um vínculo indeterminado com todos os outros atalhos que não conseguimos traduzir ou decifrar, apenas viver.

Recorrendo uma vez mais à expressão inicial, se não muda o mundo, uma obra de arte muda ou transforma a sensibilidade de cada um dos seus observadores, seja na tomada de consciência sobre uma determinada realidade, seja no crescimento da sua capacidade de apreender uma leitura do mundo, catapultando-o como agente potenciador de uma mudança, a começar pela ideia de si mesmo e do seu lugar nesse processo de relação com a arte. Recordemos a propósito uma das teses principais de Jacques Rancière: “Num teatro, exatamente como num museu, numa escola ou na rua, nada existe que não sejam indivíduos que traçam o seu próprio caminho pelo meio da floresta das coisas, dos atos e dos signos que lhes surgem pela frente ou que os rodeiam. O poder comum aos espectadores não tem a ver com a respetiva qualidade de membros de um corpo coletivo ou com qualquer forma específica de interatividade. É antes o poder que cada um ou cada uma tem de traduzir à sua maneira o que percebe, de ligar o que percebe à aventura intelectual singular que os torna semelhantes a todos os outros na medida em que essa aventura singular não se assemelha a nenhuma outra. Este poder comum da igualdade das inteligências liga os indivíduos entre si, fá-los proceder à troca das suas atividades intelectuais, ao mesmo tempo que os mantém separados uns dos outros, igualmente capazes de utilizar o poder de todos para traçar o seu caminho próprio. O que as nossas “performances” comprovam — quer se trate de ensinar ou de representar, de falar, de escrever, de fazer arte ou de vê-la — não é a nossa participação num poder encarnado na comunidade. É, sim, a capacidade dos anónimos, a capacidade que faz com que cada um(a) seja igual a todos(as) os(as) outros(as). Essa capacidade exerce-se através de distâncias irredutíveis, exerce-se por intermédio de um jogo imprevisível de associações e dissociações.”[5] Por outras palavras, o pensamento e a emoção, o inteligível e a ambiguidade, assim como a pluralidade de cada uma das nossas iniciativas singulares definem a ligação possível que entre as obras de arte e todas as nossas “performances” de conhecimento e sensibilidade acabam por ajudar a definir, no plano da igualdade, esse “eu coletivo” de que falava McEvelley. No reconhecimento de cada individualidade reside o mapa, os sinais dessa rede mágica, através da qual estabelecemos um universo de competências críticas, a favor desse sentido maior, o questionamento, a dúvida sobre as máscaras que escondem o absoluto ou as certezas que regulam todas as fronteiras.

Para compreender a necessária autonomia dos atores que participam do processo, regressemos a Jacques Rancière: “Os artistas, como os investigadores, constroem a cena na qual a manifestação e o efeito das suas competências se expõem e se tornam incertos nos termos do novo idioma que traduz uma nova aventura intelectual. O efeito do idioma não pode ser antecipado. Exige dos espectadores que desempenhem o papel de intérpretes ativos, que elaborem a sua própria tradução para se apropriarem da “história” e dela fazerem a sua própria história.”[6] E é nesta medida apenas que “uma comunidade emancipada é uma comunidade de contadores e de tradutores.”[7] Mas essa experiência de arte política assegura, ao mesmo tempo, como afirma ainda o filósofo francês, “a produção de um duplo efeito: a legibilidade de uma significação política e um choque sensitivo ou percetual provocado, mutuamente, pelo estranho, por aquilo que resiste à significação.”[8] Modificar o destino dos outros com um gesto de criatividade artística confirma o adágio de uma tempestade sentida pelos artistas quando realizam o seu trabalho e este se arroga ao mistério da transformação, apesar do “insucesso” nessa tarefa muitas vezes já anunciada. O balanço entre o desejo de mudar e a perceção sobre os limites dessa ambição constitui assim, no contexto também do neorrealismo, a força daquilo que designamos como obra de arte, a consequência transfigurada entre o que procura significar e aquilo que, a cada olhar, resiste a essa potencialidade. E, por sua vez, se a transfiguração não é um resultado que se observe no imediato, nem produza necessariamente efeitos retroativos, projeta, contudo, a ampliação da autonomia, isto é, a emancipação dos intervenientes, convertendo o recetor da obra de arte num agente dinâmico e responsável ao mesmo tempo pelo processo de reinterpretação, ou seja, de continuidade e expansão da própria proposta artística.

Nessa experiência de tempestade, desenha-se um caminho de consideração sobre a especificidade da arte na sua relação com o observador, sensível ao argumento de Jacques Rancière de que a nossa leitura atual sobre o que a arte tem para oferecer se baseia num intervalo em muitos aspetos indiscernível, pois o compromisso criativo sobrevive a partir da sua condição “in-between”, isto é, entre a política e a arte, entre a experiência cognitiva e sensorial ou, como nas suas palavras concretas, “o compromisso não é uma categoria da arte. Isto não significa que a arte seja apolítica. Significa que a estética tem a sua própria política, ou a sua própria metapolítica.”[9] Segundo Rancière, a política da arte reside assim na confirmação do seu poder particular, da sua capacidade estética de influenciar ou ajudar à compreensão sobre o próprio fenómeno da arte, fixando-o como contributo a uma especificidade transformadora que dita as suas próprias regras de sensibilização do observador, alterando, desse modo concreto, a sua perceção do real. E será apenas nessa medida que o real estará à mercê de uma transformação pela arte, enquanto acumulação de uma “comunidade” de perceções individuais modificadas pela experiência da obra. Assistimos assim à definição de um “espaço comum”, capaz de produzir esse “discurso comum” ligado ao que arte e a sua “comunicação” estética são capazes de ativar junto dos observadores. Por outras palavras: “A estética é um recorte dos tempos e dos espaços, do visível e do invisível, da palavra e do ruído, que define, simultaneamente, o lugar e o intuito da política enquanto forma da experiência. A política tem por objeto aquilo que vemos e aquilo que podemos dizer acerca do que vemos, acerca de quem tem competências para ver e qualidades para falar, acerca das propriedades dos espaços e das possibilidades do tempo.”[10] Assim, conclui Rancière, “na base da política há “uma ‘estética’ que nada tem a ver com a ‘estetização da política’ própria da ‘idade das massas’ de que fala [Walter] Bejamin. Esta estética não deve ser entendida como uma interpretação perversa da política por parte de uma vontade de arte ou das formas de pensar o povo como obra de arte.”[11]

Apesar do entendimento e da viabilidade desta ideia em Rancière, é forçoso reconhecer que o gérmen do realismo social no nosso país esteve desde o início associado a uma ideia de compromisso exterior ou de raiz política, com impacto sobre a configuração da prática artística, marcada pelos protocolos de comunicação que fundam uma relação entre a estética, o sistema da arte, o contexto social e político das suas práticas e, por fim, a liberdade, entendida enquanto ética inegociável da ação humana. Por isso, o neorrealismo não deixou nunca de perseguir em cada objeto artístico a tese de Bento de Jesus Caraça: “[…] cultura e liberdade identificam-se –  sem cultura não pode haver liberdade, sem liberdade não pode haver cultura.”[12] Devemos identificar aqui o termo cultura como manifestação desse carácter experimental que a liberdade de ação e pensamento sempre exige. Neste mesmo sentido, somos levados a afirmar que o debate formal das obras de arte do nosso neorrealismo, assim como a sua específica dimensão temática, orientam-nos o olhar e a consciência, situando-se assim, em parte, à margem da proposta teórica de Jacques Rancière, de separar a “arte” e a “política”, ou neles ver sobretudo a hipótese de uma “partilha sensível” de corpos e espaços.[13] Ainda que também no neorrealismo se estabeleça uma partilha desse modo entendida, produz-se igualmente um valor de informação que reelabora o carácter humanista do observador da obra de arte, pois com ele mantém ou pode manter uma interpretação sobre um conjunto de hipóteses alternativas ao consenso promovido pelo poder instituído. Para mais, isto aconteceu num tempo em que, face à pretensa inviolabilidade da comunicação oficial, a coragem de apresentar valores contrários aos regimes políticos no poder, com base em perspetivas não alinhadas e críticas, significava não só um limite à liberdade de ação dos seus protagonistas, como, por vezes, um sacrifício maior ao nível existencial, da prisão à morte (de Júlio Pomar a José Dias Coelho), deixando marcas, porém, em todos aqueles que ousavam acompanhar ou deixar-se seduzir por uma visão mais ampla da realidade artística e das suas implicações sociais e políticas.

Ao contrário da convenção analítica sobre o contributo do neorrealismo à arte moderna em Portugal, uma leitura semiótica direta e motivada em termos ideológicos não compromete de modo necessário o seu horizonte artístico, apenas exige do observador uma flexibilidade sincera e aberta à sua receção, capaz de apreender o jogo de interdependência entre a forma e o conteúdo. Esse jogo, resposta da obra enquanto objeto estético e social, abre muitas vezes a reflexão sobre o seu exterior, sobre os valores responsáveis pelas condições da produção da obra de arte no seu tempo histórico, e ainda a matriz de referências de criatividade que ditam o seu comportamento, em último grau, o enlevo da sua proposição mais complexa.

Não obstante erguermos estas hipóteses com base no uso das palavras e no limite da sua significação, é fácil reconhecer, como escreve Jacques Rancière, que as imagens, assim como as obras de arte, não são, nem nunca serão “realidades simples”, elas “são antes de mais operações, relações entre o dizível e o visível, maneiras de jogar com o antes e o depois, com a causa e o efeito. Estas operações envolvem funções-imagens diferentes, diferentes sentidos da palavra imagem.”[14] Realizando-se assim uma oportuna dialética entre aquilo que Rancière designou como “as duas potências da imagem: a imagem como presença sensível bruta e a imagem como discurso que cifra uma história.”[15] Nesse processo, o observador incorpora uma especificidade sobre o valor de comunicação da obra de arte que o transporta a uma interpretação crítica e a um sentido do real que lhe revela uma outra dimensão da vida, pois a arte altera, de modo particular, a sensibilidade e, por essa via, a consciência de cada um.

Deste modo, o que a experiência de partilha sensível projeta é a ideia de que a arte constitui, na sua qualificação estética e narrativa, um domínio de amplitude inesperada e imprevisível. Em particular isso acontece na assunção das mundividências que formam o ser humano na sua disponibilidade para considerar visões alternativas e paradoxais, mesmo quando aparentemente a arte parece promover apenas uma leitura mais definida ou orientada por determinações exteriores ao seu aparecer. Essa disponibilidade intrínseca, presente em qualquer expressão artística, ajuda a compreender uma ideia de carácter comportamental com resultados sobre a comunidade e, em última análise, sobre a sociedade. Ou seja, se dedicássemos mais tempo a apreciar obras de arte, por meio dos nossos sentidos e da nossa interpretação, estaríamos provavelmente mais próximos da construção de um mundo melhor, isto é, mais ponderado, cívico e empreendedor na abertura de perspetivas, de acordo com o valor da relação que se estabelece entre os sujeitos que criam as obras de arte e os que as reconfiguram constantemente com as suas leituras particulares, também elas produtoras, por fim, de uma ampla pluralidade.

Com base neste princípio, a arte neorrealista continua hoje, no plano expositivo, a sua tarefa infinita, transformar todos os que com ela se relacionam, ao partilhar e questionar os seus valores, construir uma identidade complexa e mais enriquecedora dessa capacidade que em cada um de nós se pode desenvolver para ler o mundo de uma forma crítica, atenta às suas metamorfoses. Apesar de, nas suas obras, os neorrealistas terem vertido uma esperança de transformação urgente do real (porque entendida nessa altura como ação e contributo à consciencialização politica e social dos recetores da obra de arte), os seus testemunhos permanecem ativos, a partir da inspiração que transmitem a cada novo observador, a cada nova geração que com estas obras se confronta, e cuja origem se firmava na lógica do materialismo marxista, numa dialética da realidade política, projetando, de obra em obra, o desejo e o empenho de comunicação sensível para uma maior igualdade de oportunidades e para uma maior justiça social. Como uma gota de água no deserto, cada obra de arte, tal como cada leitura dos seus sentidos (racionais ou emocionais), produz o resultado de uma necessidade com consequências na longa temporalidade da natureza humana, em especial nas suas crenças, convicções e projetos futuros, subterraneamente alimentados assim a cada obra, a cada pequena gota, face à imensidão dos valores que cruzam a experiência dos seres humanos ao longo da sua vida. Mas uma gota de água, na sua coragem e persistência, acaba sempre por cumprir a sua função, tal como todas as obras de arte possuem uma especificidade comunicante que um dia nos cabe conhecer e experienciar – caso contrário, não fariam parte do domínio imenso que fundamenta essa circulação de energia e transmutação extraordinária a que chamamos cosmos.

 

O neorrealismo e a arte moderna

De outro modo, podemos defender que o humanismo presente nas obras de arte neorrealistas postula um legado, a definição de um corpo comunitário feito de expressões estéticas e simbólicas em torno de uma mobilidade social concreta, inadiável. Na pluralidade dos seus gestos artísticos individuais, esse conjunto de compromissos entre a arte e a sociedade traduz-se no impulso que representa a construção de um património feito de objetos pictóricos, desenhos, esculturas e fotografias de fatura diferenciada, mas também em textos onde figuram palavras de ordem, desejos e convicções, no apelo, uns e outros, a um futuro mais justo e solidário.

A análise da história da arte sobre a época e as circunstâncias ideológicas, políticas e sociais em que esse desígnio evoluiu e se afirmou tem permanecido associada a uma visão monolítica, demasiado estreita na sua imagem dialética, dividida entre paradigmas estanques na sua relação de forças, como se o modernismo e o realismo assumissem antagonismos sem comunicação e influência mútua, verificados afinal, pelo menos desde os anos 30, um pouco por toda a Europa e no continente americano.

Não abdicando da sua individualidade, os artistas privilegiaram nesse período a definição ou o alcance de uma identidade coletiva, daí o “redescobrimento da história”, como lhe chamou Benjamin Buchloh, que impõe um regresso às raízes da identidade, isto é, daquilo que é comum a um grupo. Note-se que, para esse teórico e historiador de arte alemão – seguidor de Theodor Adorno e da sua interpretação da ação estética como um modelo identificado com as condições ideológicas da produção artística – a redescoberta do peso da história “serve o propósito autoritário de justificar o fracasso da modernidade”[16] – compreendendo aqui o retorno da figuração como um ato subjugado ao “determinismo histórico”[17] e à vontade política dessa oficialidade que procurou definir uma estética de Estado, fosse na Alemanha nazi, na Itália fascista ou na União Soviética. Rivais na sua orientação ideológica, mas promotores da mesma limitação das liberdades, James Oles conclui acerca dessa proximidade estética que une os principais regimes totalitários: “O realismo socialista está geralmente relacionado com as políticas culturais específicas que a União Soviética pôs em marcha desde o principio dos anos trinta em diante, ainda que se poderia entender melhor como uma variedade do ‘realismo totalitário’, um termo que também incluiria grande parte da arte que se criou na Alemanha nazi e na Itália fascista (e mais tarde na China maoista). Nestes regimes, a diversidade estilística foi sendo eliminada de forma gradual e violenta a favor de um realismo rígido e cada vez mais idealizado, que retratava uma classe operária e um campesinato prósperos, governados por um líder paternalista e benévolo – às vezes não tão benévolo –.”[18]

Sobre as difíceis relações das ditaduras com a criatividade artística nesse período sombrio e cada vez mais extremado, Manuel Borja-Villel apresenta o seguinte argumento: “Os totalitarismos eram populistas e buscavam a identificação emocional das massas com o líder, não o questionamento da sua autoridade. Isso, sem dúvida, colidiu com uma modernidade baseada na experimentação e na rutura, e que se orientava para um público astuto, capaz de refutar as ideias recebidas. Poderíamos ter imaginado uma maior afinidade entre os novos regimes políticos de esquerda ou de direita com a modernidade, pois estes não paravam de se manifestar contra o legado recebido e a favor de um futuro sem precedentes.”[19] No final, conclui o ex-diretor do Museu Reina Sofia: “[…] não foi assim, apesar do facto de que durante os primeiros tempos da União Soviética os artistas, poetas e intelectuais tiveram um papel relevante na construção do país, ou que os futuristas italianos proclamaram o Duce como futurista. As ditaduras dos anos trinta viam-se como a apoteose da vanguarda; mas para elas esta nem sempre era moderna.”[20] Verificou-se assim uma dessintonia, dir-se-ia, inevitável, entre as chamadas “vanguardas políticas” (autoritárias) e as “vanguardas artísticas” (libertárias), plasmada na perseguição da “arte moderna” por esses poderes antidemocráticos. Um poder que era afinal absoluto, não só no domínio das estruturas do Estado, como na manipulação da opinião pública, através do discurso oficial e da sua difusão propagandística, recorrendo ao controlo maioritário da informação e da sua crescente “reprodutibilidade técnica”[21] (Walter Benjamin), o motor das indústrias de comunicação de massas: dos jornais à rádio e ao cinema.

Porém, no caso português, o “novo realismo” surgiu – num contexto não oficial, mas de contestação oposicionista – com as marcas formais de uma modernidade sustentada precisamente na “diversidade estilística” dos seus referentes estéticos, associados na sua maioria às conquistas das primeiras vanguardas, ainda que tenha considerado também, na sua inspiração marxista comum, um regresso consciente da figuração, explorando a favor o seu valor identitário e narrativo. Convém lembrar, como sintetiza Jordana Mendelson sobre o peso da figuração realista nesses anos, que “o realismo era um campo extremamente diferenciado, uma plataforma aberta à interpretação individual e propensa ao compromisso político.”[22] Sobre a exploração temática, acrescenta esta historiadora de arte: “No período de entre guerras, o retrato não foi o único âmbito de influência do realismo. O trabalho e o ócio converteram-se em objeto artístico de autores de todos os segmentos do espectro político.”[23] Mas mesmo se é fácil identificar “diferenças de formação, estilísticas e políticas, todos eles estavam fascinados pelos conflitos culturais dos espaços sociais da modernidade.”[24]

Apesar dos diferentes usos da história e da observação dos comportamentos sociais, compreendemos desde logo o desenho de uma época voluntarista nas suas antagónicas conceções de progresso, na qual a corrida dos regimes políticos e das suas oposições a esse plano de fundamento identitário aproximou definitivamente a arte e a política. Recorde-se a defesa que o filósofo marxista italiano Antonio Gramsci desenvolvera nesses anos a favor de uma ideia de necessário compromisso entre a produção artística, a sua consolidação enquanto cultura e ainda o seu decisivo contributo à afirmação de uma política. Para Gramsci, como escreveu Manuel Borja-Villel, “a hegemonia cultural era um passo necessário para conquistar o domínio político.”[25] A arte obedecia a uma orientação, “mostrar o triunfo desse poder, inculcar os seus valores e, portanto, ser pedagógica, quando não diretamente propagandística.”[26] Este aspeto, onde prevalece o desejo de fusão entre desígnios artísticos e políticos, e apesar da disparidade quanto aos seus resultados artísticos – realidade comum a todos os momentos, ciclos ou movimentos de arte –, parece ter inviabilizado a compreensão das características concretas desse exercício, como se houvesse um paradigma mais decisivo a impor a bitola contra a possibilidade de examinar os sintomas distintivos de uma prática artística como o neorrealismo, que apenas procurou sublinhar a primazia do coletivo face ao individual.

Um dos problemas que levou à rejeição do neorrealismo pela crítica e a história da arte em Portugal, foi o facto de esse movimento promover uma rutura crítica (e nisso constituiu um movimento moderno) ao nível da atenção temática sobre os mais desfavorecidos, sem observar uma centralidade sobre o primado da autorreferencialidade constituinte do exercício pictórico, tal como experimentado pelo modernismo desde Manet. No fundo, o neorrealismo é também aí sobretudo herdeiro do realismo de Courbet: mais coragem para enfrentar a academia a partir da atualização de temas sociais incómodos à burguesia dominante no mundo da arte e na sociedade, do que radicalismo nos aspetos formais em torno da auto-consciencialização da pintura – aliás, este último processo era pelo neorrealismo denunciado como um efeito mais estéril do que útil, apadrinhado pelo elitismo burguês. O que não significa, porém, que do neorrealismo tenha estado ausente qualquer espécie de interpretação formal moderna, facilmente provada pelo uso de soluções de grande liberdade expressiva e arrojo de composição, presentes na maioria dos trabalhos de Júlio Pomar, Vespeira, Manuel Filipe, Lima de Freitas, João Moniz Pereira, Rogério Ribeiro, Querubim Lapa ou Nuno San-Payo, para citar apenas alguns dos artistas mais decisivos na afirmação inicial do movimento. Em concreto, significa apenas que a investigação neorrealista em torno do moderno foi conduzida de um modo diferente, apostado na tradução de um compromisso simultaneamente diversificado em termos formais e temáticos, mas do qual nunca se apagou, porém, uma atitude de denúncia e protesto face aos desequilíbrios identificados na vida social da época e ainda no silenciamento ou no medo impostos pela ditadura. A despeito do clima opressor, reinava nessas obras uma nova dignidade humanista, associada a um esforço de comunicação, apenas saciado pela conquista dos observadores para as causas sociais e políticas. Em Portugal, assumia-se então, pela primeira vez, uma arte moderna deliberadamente engagée, apresentada, apesar da censura, com alento oposicionista não só nos muitos periódicos culturais do imediato pós-guerra (em particular a revista “Vértice” e o suplemento “Arte” do jornal “A Tarde”), como nas Exposições Independentes da cidade do Porto (1943-1950) – mesmo se nestas tenha imperado o abstracionismo, o neorrealismo marcara também a sua presença, a partir de 1945, nas obras de Júlio Pomar, Victor Palla, Rui Pimentel, e ainda, de algum modo, nas de Júlio Resende ou Amândio Silva –, e também nas Exposições Gerais de Artes Plásticas, realizadas na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, entre 1946 e 1956, precisamente o período mais fecundo do movimento, e onde quase todos os principais nomes associados ao neorrealismo fizeram a sua mais consequente e continuada apresentação – isto apesar do controlo e da vigilância ativa do regime, como nesse episódio acontecido nas vésperas da inauguração da II Exposição Geral, no qual a PIDE apreendeu algumas das obras mais declaradamente críticas da situação social. Tal como reconhecera na semana seguinte o Diário da Manhã (periódico próximo do Estado Novo), havia nas EGAP uma forte presença de artistas contestatários, de “revoltados sociais.”[27] Muitos anos mais tarde, a visão retrospetiva de Mário Dionísio recordava: “ia-se à EGAP como se vai a uma manifestação. […] era como um grande comício sem palavras.”[28]

Recordemos que o neorrealismo (ou realismo social) surgiu num tempo condicionado não apenas pela ação persecutória do regime ditatorial do Estado Novo, como ainda por grandes pressões a nível internacional, desde o desastre económico desencadeado pelo crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, e o surto inflacionista que afetou o mundo na década seguinte, ao contexto de conflitualidade política e social extremado pelas ditaduras na Europa dos anos 20, 30 e 40, assentes na bipolarização ideológica aberta entre fascismo e comunismo, com expressão imediata nos conflitos bélicos da Guerra Civil Espanhola e da II Grande Guerra Mundial. Neste quadro de influência extra-artística, os artistas sentem-se divididos entre o processo de autodescoberta disciplinar e o apelo de envolvimento ou participação social que a época impunha. Acontece que, se os anos 20 e 30 (na ressaca ainda da primeira guerra) exerceram em grande medida um efeito de sedução sobre o envolvimento da arte com a política e as suas demandas (na vertente crítica ou, por contraste, propagandística), já no segundo pós-guerra, e com a passagem do centro da arte internacional de Paris para Nova Iorque, o final dos anos 40 e toda a década de 50 triunfalizam o paradigma modernista de autocrítica de cada disciplina, enquanto afirmação de uma espécie de “arte pela arte”, a “pintura pura”. Esse contexto de reconhecimento e autoafirmação da arte moderna abstrata foi determinante para um resultado de rejeição generalizada, primeiro da crítica de arte e, mais tarde, da própria história da arte portuguesa, sobre os valores ligados à proposta artística do neorrealismo.[29] E esses valores não são absolutamente contrários à exploração do “médium” – o móbil da arte moderna –, mas complementares da sua própria conceptualidade. A este propósito, convém lembrar que, apesar de o surrealismo e o abstracionismo – duas das experiências da arte moderna portuguesa mais valorizadas pela historiografia – partilharem com o neorrealismo uma oposição ao regime político do Estado Novo, não priorizaram no seu processo artístico qualquer linha de identidade mais explícita sobre um conteúdo de crítica ou oposição à ideologia dominante. Ao mesmo tempo, e ainda que o surrealismo avance muitas vezes uma figuração pretensamente ditada pelo inconsciente, e nisso se afaste do jogo da pura bidimensionalidade pictórica, a verdade é que, por comparação com a figuração social do neorrealismo, o imaginário surreal e as experiências abstratas da nossa pintura do pós-guerra remetiam de um modo mais evidente para a exploração dos meios próprios da disciplina da pintura. De qualquer forma, a veracidade desta divisão de intenções e resultados não deve permanecer sem uma análise mais detalhada.

Tal como afirmámos já, noutro contexto, a propósito do trabalho mural de Diego Rivera,[30] quando observamos o conjunto da obra de um artista do realismo social “não temos dúvidas, apesar da sua mensagem figurativa, de que estamos perante um exercício de pintura. Tudo nessas imagens (figuras, objetos, formas e cores) nos remete afinal para o túnel temporal da tradição pictórica e esse é um outro modo de afirmação do médium, pois nenhum outro nos daria tamanha ilusão picturalista.”[31] Sabemos, por isso, que a produção artística neorrealista afirma “no seu ímpeto figurativo ou presciência narrativa uma das idiossincrasias do médium pictórico, isto é, repercute de modo convincente o que poderemos designar por ilusionismo picturalista, produzido tão-somente de acordo com uma essencialidade sensível acumulada ao longo da sua própria tradição estética, ou seja, da sua opticalidade, experiência e cultura, pois ao contrário do que defende Clement Greenberg em Modernist Painting,[32] a autocrítica exigida pela exploração modernista do médium não tem na planaridade a sua única expressão incontornável.”[33] É assim possível reconhecer, também na pintura mimética e figurativa, “uma afirmação estética afinal indissociável do médium, em particular nas sugestões de profundidade observadas no plano de fundo da pintura de paisagem ou da pintura de história, onde quase sempre identificamos efeitos de produção técnica de inconfundível característica pictórica.”[34] Não esqueçamos que “uma pintura mimética afirma sempre o próprio médium, pois quando estamos face a uma imagem pictórica, mesmo se esta não apela à bidimensionalidade ou à abstração, mas sobretudo ao ilusionismo visual de uma representação das três dimensões, esse ilusionismo é facilmente entendido como um efeito de pintura, não se confundindo em nenhuma circunstância com a modelação escultórica ou com o imaginário mental e narrativo sugerido pela literatura ou pelo cinema.”[35] Não obstante, o modo como a arte neorrealista “reinventa estratégias formais a partir de um realismo ampliado ao diálogo com a experiência pictórica do modernismo, ou seja, com a purificação cromática, a liberdade da ironia sobre as hipóteses críticas em torno da figuração e da retratística, constitui ainda uma afirmação do médium, pois só nessa dialética particular entre a prática da pintura pura e a sua expressão do real figurado podemos identificar um efeito narrativo verdadeiramente distinto, para lá de qualquer dúvida disciplinar ou ontológica.”[36] Na realidade, quando analisamos ao pormenor uma obra neorrealista “vemos ao mesmo tempo uma história e uma pintura traduzida em figuras, cores e formas que só os pincéis e as tintas podiam concretizar.”[37]

Por outro lado, talvez seja útil compreender como a arte moderna não será incompatível com a expressão de valores concretos associados à natureza de alguns acontecimentos políticos, à sua memória e reativação simbólica. Por exemplo, no caso de “Guernica”, essa pintura de grande escala, concluída por Pablo Picasso em 1937 para uma das paredes centrais do Pavilhão de Espanha, apresentado na Exposição Internacional de Paris desse mesmo ano, percebemos como desde o início funcionou, de modo deliberado, enquanto declaração política em defesa do governo republicano espanhol, então em plena Guerra Civil contra os nacionalistas do General Franco.[38] Comparecemos aí perante o magistério de um dos maiores contributos da pintura à consciencialização sobre os horrores da guerra e ao compromisso político necessário face aos valores em conflito. Com “Guernica” assistimos, como nunca antes no que diz respeito ao envolvimento da arte moderna nos destinos ideológicos de um povo, a essa tarefa de reacendimento de significados politizados sem que o carácter formador da obra pictórica se reduza à mensagem e ao seu conteúdo, funcionando antes como efeito de complementaridade indissociável, pois a estética e a ética realizam nesse caso um concílio ativo e consequente. Uma das mais célebres pinturas do século XX é, desde o início, uma “declaração de guerra contra a guerra e um manifesto contra a violência.”[39] E nesse potencial se afirmou ao longo do tempo, até aos nossos dias. A capacidade nessa superfície revelada, reside no facto de Picasso “transformar as suas próprias invenções modernas de fragmentação cubista e distorção surreal numa expressão de indignação: esta é a arte moderna ao serviço da realidade política. Resposta ao bombardeio nazi, réplica à acusação nacionalista de que os republicanos haviam profanado os ‘tesouros artísticos’ de Espanha, Guernica também desafia as histórias míticas dos regimes totalitários e refuta as crenças reacionárias de que a arte política só pode ser socialmente realista e a arte moderna nunca pode ser pública. Aqui o moderno concilia-se com referencialidade, responsabilidade e resistência.”[40] A relação entre o desejo de intervenção que um artista projeta na sua obra e as suas consequências reais, deve ser avaliada não tanto pela medida do seu contributo ao presente, mas pela expressividade abstrata de uma ambição com eco ao longo dos tempos, marcada pela força de uma simbologia nela contida. Recordemos, a propósito, as palavras de Picasso, depois de terminada a sua “Guernica”: “Quero que as minhas pinturas possam defender-se, resistir ao invasor, como se houvesse lâminas de barbear por toda a superfície, de modo que ninguém pudesse tocá-las sem cortar as mãos.”[41] Não ferindo pelas suas propriedades físicas, a pintura de Picasso ativa-se porém na agressividade da sua imagem, na mensagem que projeta, e nas palavras que a auxiliam nesse processo de esclarecimento sobre a resistência implícita no seu efeito de comunicação, cumprindo a ideia de que a arte moderna, apesar do esplendor de uma autorreferencialidade formal, não abdica igualmente de uma relação ativa com o jogo político da sua própria contemporaneidade.

É possível deste modo assumir que a importância da especificidade modernista no neorrealismo português, para além da assunção mais reivindicativa, inspirada numa visão teleológica e marxista, dos temas associados ao trabalho ou à política – podendo ainda ser aferida através das obras que, de modo mais inesperado, figuram também o lazer, as cenas familiares ou mesmo o retrato –, está ligada a uma especial reinscrição estética do realismo social no seu cruzamento com diferentes referências formais das chamadas vanguardas históricas, em particular as dinâmicas experimentais pós-cubistas e expressionistas associadas à liberdade formal ou cromática em torno da figuração. Outra matriz processual, conexa ao desenvolvimento dos realismos sociais de entre guerras, é ainda esse caldo imenso que dá pelo nome de “regresso à ordem”, ajudando à definição mais alargada da arte moderna da “Escola de Paris”, e onde cabem, igualmente, as lições que retornam ao classicismo (a representação mimética, naturalista ou realista), modificadas pela exploração da síntese sígnica moderna, sem cair nunca nas proximidades mais declaradas da abstração. Mesmo assim, no caso do nosso neorrealismo, detetamos muitas vezes a conciliação desses dois “mundos” (figurativo e abstrato), como nessa pintura a óleo sobre cartolina, “Sem título”, datada de 1957, da autoria de Lima de Freitas. Nela se centraliza uma camponesa sentada, descalça, no primeiro plano, bem definida na sua identidade social, mas onde conseguimos observar em simultâneo, no chão e ao fundo, as potencialidades quase “matissianas” de um cromatismo simplificado e vibrante, recortado, plano, a tocar a abstração. Também “Saltimbancos”, essa pintura a óleo sobre tela, realizada por Nuno San-Payo, em 1951, é outro exemplo de uma obra neorrealista que manifesta uma maioria de valores modernos adaptados ao exercício de um realismo com preocupações sociais. Atentos aos pormenores que enquadram a performance desses saltimbancos à luz do fogo expelido por uma figura masculina, percebemos como o casario, no segundo plano, em cima, é estruturado por soluções de nítida inspiração cubista, assim como o alinhamento das figuras que assistem, concentradas, a toda a ação, são traduzidas na simplificação dos rostos, a partir de um esquematismo de cor muito próximo da monocromia (como se a escuridão assim o exigisse), para lá da marcação mais expressionista e transversal não só da paleta como dos gestos físicos das três figuras em primeiro plano. Por último, é nos detalhes de liberdade e síntese gráfica na composição dessas figuras, como no padrão do vestido da figura que toca um tambor, no dinamismo gestual do “malabarista do fogo”, ou no corpo magro da contorcionista, que identificamos um registo artístico de manifesta leitura moderna. Esta fatura de modernidade estética não será, todavia, um registo de exceção, sendo antes, em termos gerais, uma caracterização que particulariza os resultados do neorrealismo português, mesmo quando retrata a “figuração do povo” e as suas condições sociais mais desfavoráveis. Ao mesmo tempo, a matriz de pluralidade formal da produção artística desse período e o sentido crítico da sua comunicação devem apoiar ainda uma distinção inequívoca face ao retorno da “figuração”, da “história” e da “identidade” que assistiu as políticas oficiais de controlo sobre os significados da arte, tendo em vista a perpetuação dos poderes instituídos. Nestes prevaleciam valores mais conservadores e académicos, definidos por um realismo associado à mimetização naturalista e à monumentalização hierática exigida aos propósitos de glorificação dessas “figuras” – traduzidas na idealização heroica do operariado e do campesinato, como no realismo socialista soviético, ou na reconfiguração desse ideal clássico do corpo atlético, pretensamente purificado pela “superioridade racial”, observado, por exemplo, na Alemanha nazi, através da estatuária de Arno Breker.

Longe dessas figuras de autoridade, o neorrealismo recorre, como vimos, a um abundante tecido de referências, resolvido na concordância formal entre o regresso da figura e a sua tradução moderna. Mas, ao mesmo tempo, o neorrealismo observa ainda, para além de uma esperança no poder da arte, nas vantagens da sua empatia concreta, um imperativo ético, o empenho de uma mensagem mais ou menos explícita e não ilustrativa do seu conteúdo social e político. Esta mensagem, feita de cores e de vozes, visa alcançar uma visão incómoda e mesmo crítica do poder vigente, apresentada, porém, como declaração de um “amor ao povo”, ao denunciar as suas dificuldades e sofrimentos, sem esquecer uma atenção lírica aos seus costumes, desejos e ambições. O que aí se constrói, a partir de um apelo mais consciente da realidade social, é a defesa de um humanismo crente na construção de um mundo melhor, onde os mais desfavorecidos terão a sua oportunidade, na qual recai esse plano de transformação, apoiado nas ideias de resistência, ação e progresso.

De qualquer modo, é ainda na ressaca vanguardista do início de Novecentos que se ergue a afirmação neorrealista no campo das artes visuais, a partir da fusão de estímulos estéticos e promessas de comunicação que conseguimos testemunhar, entre desenho, pintura, escultura ou fotografia, na fortuna das obras de Júlio Pomar, Victor Palla, Lima de Freitas, Manuel Ribeiro de Pavia, Alice Jorge, Rogério Ribeiro, Querubim Lapa, Maria Keil, Jorge de Oliveira, Nuno San-Payo, José Dias Coelho, Margarida Tengarrinha, Avelino Cunhal, Maria Barreira, Vasco Pereira da Conceição ou Mário Dionísio, entre outros.

 

Retrato de um movimento

Estabelecendo um paralelo com o significado mais amplo da prática do retrato, enquanto género da pintura, podemos talvez arriscar uma última ideia: tal como a análise sobre a singularidade individual de um sujeito auxilia a produção do seu retrato, e a “representação” que aí se desenvolve deve dar do sujeito retratado a silhueta da sua presença, a partir das suas características físicas e da sua psicologia, mesmo se no fim prevalece um sentimento de impossibilidade da sua fixação, o retrato de um movimento cultural realiza igualmente a aproximação à ideia de uma fidelização do perfil do retratado, a qual se esgota, necessariamente, nos obstáculos da própria “representação”, bem como na consciência sobre a inviabilidade de um desenho imune à contestação.

Como escreve Jean-Luc Nancy sobre a composição do retrato: “Um quadro organiza-se ao redor de uma figura que é propriamente, em si mesma, o fim da representação, com exclusão de qualquer outra cena ou relação, de qualquer outro valor ou meta de representação, evocação ou significado.”[42] E o que desse processo resulta é, por fim, a conclusão simples de que, entre o sujeito analisado e a sua tradução em figura de retrato, o “fim da representação” apenas se produz como um acesso parcelar, uma ínfima presença enquanto evocação, que, com o tempo, se converterá paradoxalmente numa espécie de certeza ou única referência sobre a essência do sujeito retratado. Em certa medida, e apesar da concentração na ideia de retrato que evoca um sujeito concreto, o fora da obra ou da “representação” não existe, ainda que exista sempre uma consequência ou repercussão exterior a ela, no domínio do real e da sua consciencialização, sobretudo aceite enquanto reconhecimento identitário desse exterior responsável pela ação da própria pintura. Porém, nessa dimensão mais ou menos sublinhada, é já no plano da “representação” que orientamos todos os vetores da nossa perceção, da nossa rede de significados. O retratado é aí quase só o retrato, pois, na longa temporalidade da sua presentificação, a obra impõe o seu valor de código, fazendo desaparecer a memória do índice com a própria morte do sujeito retratado. Tal como no neorrealismo, passadas muitas décadas da sua afirmação, não é mais o ímpeto da sua reivindicação social e política que prevalece, mas sobretudo a expressão da sua tarefa pictórica nesse intuito manifestada. Usando uma ideia de Fernando Pernes, é possível defender, como ele, que “não há quaisquer regras ortodoxas para aprender a ler ou a traduzir o indizível de que a arte é revelação”.[43] Esta “revelação” da arte inclui igualmente as obras produzidas no contexto do neorrealismo, pois nelas encontramos também a expressão maior do “indizível”, incluindo a ressurgência e a perplexidade do belo. Mesmo no âmbito do social ou até da sua ostentação mais panfletária, o belo e o “indizível” que o acompanha acabam identificados enquanto jogo infinito ou apogeu de um universo estético revelado a cada obra, a cada “gota de água”. E aí confluem, em parcelas diversas, o desenho fenomenológico dessa formulação e a sua leitura social, através do processo de auscultação do representado e ainda de uma abertura ao significante que é garantida pela especificidade do pictórico.

Um “gadanheiro”, em ação ou descanso, como na obra de Júlio Pomar,[44] afirma hoje, de modo especial, o contraste cromático, as linhas de força da divisão formal, assim como os limites da sua apresentação no plano bidimensional da pintura. Mas esta, por sua vez, reinscreve-se na nossa memória coletiva a partir desse humanismo picturalizado a cada observação, isto é, confirma a sua existência por ação ou efeito de uma mensagem que, antes do mais, assume a essência da pintura na qual se transformou, declarando ainda o processo de significação forjado por uma longa recetividade. Deste modo, aquilo que determinava um empenho de intervenção artística e política nos anos 40 ou 50 do século XX, produz agora o exercício de um reconhecimento da arte, dos seus valores intrínsecos e inegociáveis com o seu exterior. Daí nasce a verificação de uma diferente possibilidade, enquanto presença ou elogio do belo, pois o retrato do neorrealismo como movimento artístico é, hoje, sobretudo, a expressão maior da sua pertença ao domínio da história da arte, e menos da história política portuguesa, integrando assim a grande tradição de uma prática e de um alcance que não se confunde, mesmo quando assim se imaginou, com nenhuma outra.

Por outro lado, a beleza também pode ser, deste modo concreto, o reflexo de um humanismo específico, na revelação emocional de uma verdade que só a arte pode oferecer, e cuja expressão configura, por fim, uma outra consciência sobre a natureza própria do ser humano. Na substância cristalina das palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen: “Há uma beleza que nos é dada: beleza do mar, da luz, dos montes, dos animais, dos movimentos e das pessoas. Mas há também uma outra beleza que o homem tem o dever de criar: ao lado do negro da terra é o homem que constrói o muro branco onde a luz e o céu se desenham. A beleza não é um luxo para estetas, não é um ornamento da vida, um enfeite inútil, um capricho. A beleza é uma necessidade, um princípio de educação e de alegria. Diz São Tomás de Aquino que a beleza é o esplendor da verdade. Pela qualidade e grau de beleza da obra que construímos se saberá se sim ou não vivemos com verdade e dignidade. A obra do homem é sempre um espelho onde a consciência se reconhece.”[45]

De Hermes aos mortais, a experiência humana refuta todos os dias a ideia de que a arte é apenas uma ilustração dos seus sonhos e realizações. A arte, seja na sua expressão mais abstrata, realista ou outra, não só é um espelho ativo das ambições do ser humano, como a revelação desse indizível identificado em cada verdadeiro gesto de criatividade artística. A promessa por ela avançada produz o paralelo existencial que entre criadores e observadores se estabelece, sem respostas definitivas ou vontades fixadas apenas pelo real, pois imaginar o impossível, define tanto o inimaginável como a sua possibilidade. Resultado de todas as “gotas de água”, a arte é o lugar da liberdade e da persistência, responsável pela expansão desse cosmos onde se busca o absoluto menos tangível, mas mais desejado.

 

(versão original, AAVV, A coragem da gota de água é que ousa cair no deserto, Vila Franca de Xira, Museu do Neo-Realismo/CMVFX, 2022, pp. 19-33]

 

(imagem: Lima de Fretitas, sem titulo, 1957, 50,9 x 64,6 cm, óleo sobre cartolina. Coleção Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo. Em depósito no Museu do Neo-Realismo. nº inv. AP-94)

References
1 SERRES, Michel – Luzes: cinco entrevistas com Bruno Latour. São Paulo: Unimarco, 1999, p. 90.
2 MALRAUX, André – Antimemoires. Paris: Éditions Gallimard, 1967, p. 40, (tradução do autor). Citação original Cf. MALRAUX, André – Les noyers de l’Altenburg. Lausanne: Editions du Haut-Pays, 1943. Cf. a reedição deste título, MALRAUX, André – Les noyers de l’Altenburg. Paris: Éditions Gallimard, 1948. Cf. ainda MALRAUX, André – Les oeuvres completes, (Volume II, edição de F. – M. Guyard). Paris: Bibliothèque de la Pléiade; Éditions Gallimard, 1996, pp. 664-665.
3 MCEVILLEY, Thomas – “Abertura da cilada: a exposição pós-moderna e Magiciens de la Terre”, in a/e – revista do programa de pós-graduação em artes visuais EBA. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006, p. 177.
4 Cf. AGAMBEN, Giorgio – Che cos’è il contemporaneo?, (2008); AGAMBEN, Giorgio – O que é o Contemporâneo? e outros ensaios (2008), (tradução para português do Brasil de Vinícius Nicastro Honesko). Chapecó: Argos – Editora Unochapecó, 2009, pp. 58-59.
5 RANCIÈRE, Jacques – O Espectador Emancipado, (2008), (tradução portuguesa de José Miranda Justo). Lisboa: Orfeu Negro, 2010, pp. 27-28.
6 Ibidem, p. 35.
7 Ibidem.
8 Cf. RANCIÈRE, Jacques – The Politics of Aesthetics. Londres: Continuum, 2004.
9 Ibidem.
10 Cf. RANCIÈRE, Jacques – Estética e Política. A Partilha do Sensível, (2000), (tradução portuguesa de Vanessa Brito). Porto: Dafne Editora, 2010, p. 14.
11 Ibidem.
12 CARAÇA, Bento de Jesus – “As universidades populares e a cultura”, in Conferências e Outros Escritos. Lisboa: Editora Minerva, 1970, p. 8. Texto da conferência realizada na Universidade Popular de Setúbal, em 22 de março de 1931.
13 Cf. RANCIÈRE, Jacques, op. cit.
14 RANCIÈRE, Jacques – O destino das imagens, (2003), (trad. port. de Luís Lima). Porto: Orfeu Negro, 2011, p. 13.
15 Ibidem, p. 20.
16 BUCHLOH, Benjamin H. D. – Formalismo e Historicidad – Modelos y métodos en el arte del siglo XX. Madrid: Akal – Arte Contemporáneo, 2004, p. 62.
17 Ibidem, p. 56.
18 OLES, James – “Realismo y Muralismo en México – Mas allá de lo social e de lo socialista”, in Encuentros com los Años 30. Madrid: La Fabrica – Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2012, p. 57. (tradução do autor).
19 BORJA-VILLEL, Manuel – “Prólogo”, in Encuentros com los Años 30. Madrid: La Fabrica – Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2012, p. 6. (tradução do autor).
20 Ibidem.
21 Cf. BENJAMIN, Walter – “A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica”, (1936-1939), in Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, (trad. port. de Maria Luz Moita, Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto, com prefácio de T. W. Adorno). Lisboa: Relógio d’Água, 1996.
22 MENDELSON, Jordana – “Episodios, superposiciones y dispersiones – Una revisión de historias de los años treinta”, in Encuentros com los Años 30. Madrid: La Fabrica – Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2012, p. 18. (tradução do autor).
23 Ibidem.
24 Ibidem, p. 19.
25 BORJA-VILLEL, Manuel, op. cit.
26 Ibidem.
27 Cf. Capa do Diário da Manhã, 9-05-1947
28 DIONÍSIO, Mário – “Para a História da Resistência em Portugal”, in Diário de Notícias, 5-03-1975, pp. 7-8
29 GREENBERG, Clement – “Pintura Modernista [1960]”, in Vanguarda e Kitsch. Ensaios Escolhidos, (Seleção, introdução e tradução de João R. Figueiredo). Lisboa: IUI – Imprensa da Universidade de Lisboa, 2018, pp. 215-224.
30 SANTOS, David – “Nas paredes do Palácio Nacional: O México de Diego Rivera sob o olhar de Antonio Rodriguez”, in Nova Síntese – Neo-Realismo Português e Realismo no Mundo. Lisboa: Edições Colibri, 2020, p. 284.
31 Ibidem.
32 GREENBERG, Clement, op. cit.
33 SANTOS, David, op. cit., p. 284.
34 Ibidem.
35 Ibidem.
36 Ibidem.
37 Ibidem, p. 285.
38 Note-se que a experiência social da Guerra Civil Espanhola teve um grande impacto na geração neorrealista, em particular no desenvolvimento de uma consciência ética em torno da solidariedade política com a Frente Popular espanhola e sua resistência às forças franquistas. Esse compromisso encontrou eco, desde logo, no seu processo criativo, nomeadamente em poemas de Joaquim Namorado, Álvaro Feijó e Carlos de Oliveira. No trabalho poético intitulado Entre duas memórias (1971), Carlos de Oliveira elabora em dez pequenas seções um arrojado exercício ecfrástico, isto é, descritivo e vívido da Guernica de Picasso.
39 Cf. VAN HENSBERGEN, Gijs – Guernica – La historia de un icono del siglo XX, (2004), (tradução para o espanhol de Francisco Ramos). Barcelona: Editorial Debate – Penguin Random House Grupo Editorial, 2017.
40 FOSTER, Hal, KRAUSS, Roaslind, BOIS, Yves-Alain e BUCHLOH, Benjamin H. D. – Art since 1900 – Modernism, Antimodernism, Postmodernism. Londres: Thames & Hudson, 2004, p. 285. (tradução do autor).
41 VAN HENSBERGEN, Gijs, op. cit., p. 253.
42 NANCY, Jean-Luc – Le regard du portrait. Paris: Editions Galilée, 2000, p. 14.
43 Cf. PERNES, Fernando – A vocação democrática da arte moderna. De Olympia a Guernica, (Seleção e organização de Lúcia Almeida Matos). Porto: Edição Museu de Serralves, 2015.
44 Referimo-nos às pinturas “Gadanheiro” (Coleção Museu Nacional de Arte Contemporânea) e “Descanso” (Coleção Museu do Neo-Realismo), ambas datadas de 1945, e realizadas nesse mesmo ano por Júlio Pomar, no contexto da sua participação na “IX Missão Estética de Férias”, organizada pela Academia Nacional de Belas Artes, em Évora.
45 Cf. ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner – “Entrevista”, in Távola Redonda, janeiro de 1963.