Críptica, como toda a abstracção de raiz informalista, a pintura de Sofia Areal permanece ligada ao deslumbramento da forma e da sua lenta transmutação em não-forma, na plenitude de uma vitalidade rítmica, afinal, absolutamente necessária. Realizando pequenas rupturas num processo marcado sobretudo pela continuidade, Sofia Areal apresenta agora, em trabalhos datados de 1998-99, um conjunto de óleos e acrílicos-aguarelas onde as permanências processuais que identificam desde sempre a sua pintura encontram desta vez uma pulsão nova, quase impercetível. É numa espécie de concêntrica evolução que formas circulares convivem com sinais mínimos desse universo que tem vindo a ser criado pela artista. Os equilíbrios são jogados de modo a fazer uma apologia sensível da forma pictórica. Sempre essa mesma necessidade da pintura, como impulso vital que marca o desejo e a sobrevivência.
Apesar da evidente atmosfera sugerida por um informalismo pessoalizado, há neste conjunto duas telas de maior formato que sinalizam uma experimentação declarada: a procura de uma possibilidade monocromática, revelada tanto em “Azul, diz a Ester” (1998) como, de modo diferente, em “Mar de relva” (1998). Aí, Sofia Areal parece perscrutar uma invariabilidade formal e cromática que se afasta nitidamente da festividade de contrastes que os seus trabalhos sobre papel denunciam. Nesses conjuntos de espirais e linhas organicamente organizadas, o dinamismo situa-se nos antípodas daquilo que é pretendido nos óleos de maior formato. Todavia, o jogo formal marca ainda esta abstracção que deliberadamente evolui sem sobressaltos, optando antes por um envolvimento gradual, tendo como base uma expansão cada vez mais alargada, em direcção ao que identifica toda a abstracção deste século que agora finda: a revelação da essência e dos limites da pintura.
(versão original: in Arte Ibérica, 1999)