Apologista da transparência, o artista brasileiro Antonio Dias tece o mínimo da memória num desenvolvimento de obra que evolui quase sempre em espiral, na forma persistente e decisiva. Para ele, todos os conflitos podem ser cruzados e transfigurados no contexto da dimensão estética. Como mordaz andarilho pelas cidades de Colónia, Rio de Janeiro e Milão, Antonio Dias assume um projecto de características maioritariamente cosmopolitas, em estreita relação ainda com valores discretos, mas essenciais, de culturas distantes e desconhecidas, do Nepal aos índios brasileiros. Também por essa via, a sua obra abre um território criativo e complexo, revelador de um léxico depurado, rigoroso e absolutamente coerente.
Iniciado nos anos 60, no contexto da estética neoconcretista de Hélio Oiticica, Lygia Clark, Ferreira Gullar, Waltércio Caldas e Cildo Meireles, Antonio Dias tem vindo a afirmar-se como um artista essencial da arte brasileira mais contemporânea. Muito lacaniano, Dias não tem dúvidas de que o seu campo é o da linguagem. Ele é um mestre da alquimia linguística. Actuando sempre no plano da subjectivação (como salienta Paulo Herkenhoff), o artista não deixa contudo de pontuar sistematicamente factos políticos concretos (como nas obras “Chico Mendes”- 1995, ou “KasaKosovoKasa”- 1996). Mas aí, a produção de sentido dá-se pela via analógico-formal, em rígidos axiomas onde a geometrização das formas conceptualizadas adquire, por contraste, um delicado potencial cósmico. É na economia de meios, e na subtil desregulação destes, que Antonio Dias favorece uma espécie de continuidade sistémica, mantendo constante a trama diferencial entre projectos e obras. Das ideias e das formas, o olhar eleva-se imediatamente à categoria de pensamento e reflexão, como modo de reconhecimento e identificação sobre um enigmático idealismo social e estético. Maturada pelo constante reenvio da memória e da expressividade das matérias utilizadas, esta é uma obra ecléctica, estranhamente secreta, no feliz casamento da erudição artística ocidental com a espiritualidade religiosa do Oriente. A rica presentificação formal e matérica para aí aponta, desde logo, como um jogo irónico sobre a dualidade. É aliás num falso conflito dos contrários que o trabalho de Antonio Dias atinge o seu sentido maior (“Project for de Body”, 1970; ou no longo projecto “Ilustration of Art”). O inventário desse jogo é extenso e representa o obstinado desenvolvimento de uma linguagem muito própria, que funciona de modo indirecto sobre a consciencialização do encontro entre a arte e a sociedade. Porque para Antonio Dias “a arte é prática social” constante, reflexo ainda de uma grande atenção sobre a ideia de transformação do mundo (como em “Do It Yourself: Freedom Territory”, 1968). Na percepção do gesto, das matérias ou da significação, Antonio Dias serve um discurso pleno e seguro, que sabe depurar forma e conteúdo, como pinturas-palavras que marcam uma constância simultaneamente macia e contemplativa, sedutora e conceptual.
(versão original: in Arte Ibérica, Abril de 2000)
(imagem: Antonio Dias, The Image, Illusion, 1971 – tinta acrílica sobre tela)