Comissariada por Helena de Freitas e Leonor Nazaré, e apresentada no Centro de Arte Moderna até ao final de Agosto, esta é a primeira grande retrospectiva sobre a obra de Joaquim Bravo (1935-1990), artista que seguiu uma via periférica e assistemática, à semelhança dos seus amigos de Évora: Álvaro Lapa ou António Palolo. Sob o signo do desenho, projectando a sua decisiva influência no contexto artístico de Bravo, a presente mostra clarifica por um lado o carácter anti-dogmático do seu trabalho e, por outro, o espírito radicalmente lúdico e lúcido de uma prática pictórica propositadamente adversa a qualquer imediatismo. Não sendo das propostas mais directamente actuantes numa espécie de contemporaneidade experimental, a obra de Joaquim Bravo soube encontrar um caminho próprio, uma idiossincrática singularidade, onde persiste o valor da interrogação sobre a criatividade.
Desde o seu início, em 1956, até ao seu final, em 1990, (o ano da morte do artista) as experiências plásticas de Bravo sugerem uma irascível teia, sobretudo enquanto “articulação de expressões plásticas contraditórias”, como aponta Helena de Freitas no catálogo da exposição. Se Pollock foi a primeira grande influência numa pintura que permaneceria para sempre alheia a academismos e aprendizagens, ela resulta no abandono de qualquer sublime ou transcendentalidade, pois é apenas a experiência processual do informalismo pictórico que interessa ao projecto de Joaquim Bravo. Não por acaso, a escrita visual de Henri Michaux proporciona-lhe igualmente, neste anos iniciais, um impulso criativo onde se concentra e desenvolve a ideia centralizadora de toda a sua obra: a ideia de jogo. O jogo do desenho, da linha, da diferença e namoro entre a inscrição e o suporte da folha em branco; o jogo das formas, entre a abstracção (geométrica ou expressionista) e uma figuração quase sempre dúbia mas indelével; o jogo das cores (fortes, neutras, planas, lisas, ou gradativas). O jogo que apela ao paradoxal, e por essa via a um militante anti-purismo, ao abandono dos absolutos universais, apesar da busca incessante e subjectiva de uma espécie de essência da arte ter conduzido quase sempre o espírito criativo de Joaquim Bravo. Antes de mais, o que o movia era uma insaciável vontade de responder à grande questão: o que é a arte? Ou, em última análise: o que pode ser arte? No confronto de energias, estímulos e afectos, Bravo soube criar e tecer ao longo dos anos uma cosmogonia muito especial, particularmente influente na geração de artistas portugueses afirmada ao longo dos anos 80.
(versão original: in Agenda Cultural de Lisboa, Junho de 2000)