Depois do ajuste de contas que foi “Má Educação” (2004) – filme demasiado preso à memória negra de uma Espanha católica e castradora das liberdades – Pedro Almodóvar parece “volver” ao seu universo predilecto: a relação de dor e afecto que une todas as mulheres numa teia de cumplicidades vedada aos machos. Aliás, os personagens masculinos de “Volver” são sempre, e paradoxalmente, vítimas malévolas dos segredos que as mulheres sabem esconder.
Num triângulo familiar e feminino, toda a narrativa se encontra para reunir a mãe, Irene (excelente Carmen Maura), que vive entre os vivos como se de um fantasma se tratasse, pois todos a julgam morta, e as suas duas filhas, Raimunda (belíssima Penélope Cruz a fazer lembrar Sophia Loren) e Soledad (Yohana Cobo). Para isso, Almodóvar escolheu o cenário duro da sua La Mancha, essa região inóspita, inevitavelmente ligada às aventuras de Dom Quixote, agora povoada apenas pelas enormes antenas eólicas, a versão contemporânea dos velhos moinhos de vento.
Ao ritmo dos equívocos da vida, entre Madrid e a aldeia natal, três gerações de mulheres – pois falta ainda fazer referência à filha adolescente de Raimunda – são aqui mal tratadas pela indolência masculina, ou pelo menos pela sua memória, que perdura, apesar de todas as iniciativas para superar um quotidiano de mágoa. Contra todas as adversidades e uma cultura do silêncio doméstico, estas mulheres estão destinadas a viver um regresso aos dias felizes que o encontro entre a vida e a morte muitas vezes proporciona. Por isso, o cemitério varrido pelo vento e povoado de mulheres de luto que se observa logo no início do filme funciona aqui como metáfora plural, como se as mulheres que cantam junto às campas pudessem assim, desse modo, expiar os males da sua vida conjugal, confirmando ao mesmo tempo uma espécie de esperança renovada na entreajuda secretamente mantida por esse universo afinal – do princípio ao fim, da vida à morte, ou da morte à vida – apenas feminino.
Entre o melodrama e o humor subtil, maturado por uma mundividência refinada ao longo dos anos, Pedro Almodóvar consegue aqui – com este “volver” à terra, à infância, à memória da sua mãe, mas também ao brilho terno das suas actrizes favoritas – um registo de grande intimidade e respeito pelo que de maior existe entre as mulheres, esses laços invisíveis que resistem à traição dos homens, os seres mais dispensáveis de uma história que tem na Mulher, uma vez mais, a matriz de uma sensibilidade maior e permanente. Se é de algum modo injusta, mas inevitável, a comparação com “Tudo Sobre a Minha Mãe” (1999) e “Fala com Ela” (2002), é porque o mais recente “Almodóvar” nos alimenta a alma a partir de um envolvimento igualmente forte e genuíno, ainda que sem alcançar o zénite formal e narrativo desses dois títulos maiores de filmografia almodovariana.
“Volver”, (Espanha, 2006) * * * *
Realizador: Pedro Almodóvar
Actores principais: Penélope Cruz, Carmen Maura, Lola Dueñas, Yohana Cobo