Alberto Giacometti é uma daquelas figuras manifestamente consensuais, associada à ideia de uma escultura humanista referencial para todo o século XX. Se os consensos obrigam a revisões constantes, neste caso as sucessivas análises da obra resultam quase sempre num reforço da sua decisiva importância para a arte do pós-guerra. Num contexto de larga e exaustiva visibilidade europeia e americana, Portugal só agora teve oportunidade de apresentar um conjunto significativo- ainda que escasso e localizado na produção que vai de 1945 a 60- de esculturas e desenhos deste escultor suíço que fez de Paris, como muitos outros, o centro de criatividade e convívio de toda uma vida.
Para lá do atraso crónico do nosso sistema cultural e artístico, a margem de manobra da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva revela-se estreita, uma vez mais, apesar da séria intencionalidade que subjaz a todas as suas iniciativas. Mas se o número de obras é reduzido, a excelência dos exemplares (Homme qui marche I -1960, ou a série Femme de Venise, 1956) remete desde logo para uma mais atenta contemplação, no modo eficaz como nos permite esquecer as insuficiências institucionais deste país. De facto, a obra de Giacometti aponta para uma determinação humana que ora apresenta essa angústia da existência, ora se manifesta numa clara assunção do valor mais nobre do humanismo introspectivo: a dúvida. Rigoroso no propósito de procurar um sinal do humano, o projecto de escultura desenvolvido por Giacometti ao longo da sua vida viria a revelar-se simultaneamente atento à linguagem e espírito de grupo do surrealismo bretoniano, e fundamentalmente independente do regime inquisitorial que este pretendia orientar em função do teatro do inconsciente. Em Giacometti, a interrogação da moral burguesa passava sobretudo pela criação de uma obra onde os valores plásticos promovessem, antes de mais, uma consciência do humano, onde a morte e o destino assumissem um efeito de vertigem, a partir da contemplação.
Essa figuras longilíneas, moldadas em necessária verticalidade matérica e volumétrica, marcam a imagem essencial do autor que, numa particular alusão à síntese sígnica da escultura africana ou primitiva, soube contrariar simultaneamente o formulário académico da representação figurativa e o oposto reducionismo da escultura mais abstracta. A estratégia da depuração formal resulta sempre, em Giacometti, de um contínuo investimento na representação da figura humana e animal, buscando sempre a plenitude reveladora de um vazio latente na ausência do retrato e da psicologia das personagens. O que lhe interessa não é uma qualquer pessoa, mas a figura humana em abstracto, o seu desígnio mais recôndito ou invisível. Por isso, constantemente se fala de humanismo existencialista a propósito destas esculturas, ou se convoca o teatro do absurdo de um Beckett, assim como a desesperança filosófica de um Sartre. Talvez desse modo se encontre uma razão para o carácter obsessivo e sublime dessas figuras de solidão, os seres de um século onde o nada se tornou tão presente e familiar.
(versão original: in O Independente, 20-11-1998)