2005 integridade e resistência Marc Rothemund

integridade e resistência

 

Os últimos dias de Sophie Scholl – jovem resistente alemã anti-nazi – deram já origem a dois filmes realizados nos anos 80: “Fünf Letzte Tage/Os Últimos Cinco Dias” de Percy Adlon e ainda “Die Weisse Rose/A Rosa Branca” de Michael Verhoeven. Porém, esta derradeira versão, mais ascética e madura, que acaba por elevar o próprio nome da resistente, “Sophie Scholl – Os Últimos Dias”, obteve dois Ursos de Prata no último Festival de Cinema de Berlim, um para a contida realização de Marc Rothemund e outro para a magnífica interpretação de Julia Jentsch no papel de Sophie Scholl.

Heroína da resistência anti-nazi organizada a partir da Universidade de Munique sob o nome “Rosa Branca”, Sophie Scholl converteu-se numa espécie de ícone da coragem e da abnegação em prol de valores democráticos num período de plena guerra, entre 1942 e 1943, altura em que alguns sectores da sociedade alemã percebiam já o destino trágico da aventura nazi.

Muito jovens, Sophie Scholl e o seu irmão (interpretado por Fabian Hinrichs) são denunciados por um funcionário da Universidade de Munique quando distribuíam secretamente panfletos anti-nazis. Capturados e interrogados pela Gestapo, os dois irmãos irão viver o pesadelo dos inquéritos de uma polícia política em pleno período de guerra, marcado já pelo desespero, a descrença (mais ou menos evidente) e o medo de uma insurreição no seu próprio território. Também por isso, as denúncias e a perseguição aos “traidores” do desígnio nazi tornar-se-iam exemplares sobre o modo como o poder nacional-socialista lidava com todos aqueles que ousavam contrariar as ordens do Führer.

O que ressalta de imediato neste filme de Marc Rothemund é a prevalência de um certo equilíbrio entre os valores psicológicos e de carácter que vestem todos os personagens, com particular desataque para Sophie Scholl, e os valores políticos envolvidos. Isso é particularmente evidente na longa cena desse jogo do gato e do rato que é o interrogatório do inspector da Gestapo (muito bem interpretado por Gerarld Alexander Held). Aí, Sophie Scholl é testada quanto ao seu carácter, defendendo-se brilhantemente apesar das circunstâncias e da sua própria juventude, impressionando até o próprio inspector que parece ganhar uma espécie de admiração pelo modo como a protagonista resiste a denunciar outros elementos do grupo “Rosa Branca”. Os diálogos que entre os dois se estabelecem sobre o futuro político e social da Alemanha são de um envolvimento extraordinário, marcado pela fina integridade ideológica e humanitária da jovem resistente e ainda pela titubeante defesa dos valores nazis mantida apesar de tudo pelo inspector condutor do inquérito. Outra cena em que as emoções atingem o zénite pelo contraste de valores que então de digladiavam, é a do julgamento sumário que liga os três jovens envolvidos na distribuição desses panfletos políticos anti-nazis. A estridência radical e plenamente desesperada da figura do juiz opõe-se em absoluto à coragem e verticalidade de espírito dos jovens acusados. Mesmo perante o contexto adverso desse tribunal, Sophie Scholl manterá até à sua própria execução a postura de alguém que, acima de tudo, é fiel aos seus valores e está absolutamente segura da justiça dos seus princípios. É essa a mensagem essencial de um filme que vem lembrar ainda a ineficácia e mesmo a injustiça da diabolização generalizada do povo alemão no que diz respeito à sua participação ou ao seu silêncio em torno do pesadelo nazi. Apesar da esmagadora adesão ao projecto nacional-socialista, existiram entre os alemães alguns milhares de resistentes e opositores que sofreram na pele a violência de um regime que marcou dramaticamente a memória de todo o século XX.

 

“Sophie Scholl – Os Últimos Dias” (Alemanha, 2004) ***
Realização: Marc Rothemund

Actor principal: Julia Jentsch, Fabian Hinrichs, Gerald Alexander Held e Johanna Gastdorf