1998 LUGAR, SENTIDO E ORIENTAÇÃO Augusto Alves da Silva

LUGAR, SENTIDO E ORIENTAÇÃO

 

Com a instalação-vídeo de Augusto Alves da Silva, intitulada: “Quatro Pontos Cardeais”, a Fundação de Serralves dá início a uma programação que consistirá basicamente na apresentação de intervenções de artistas nacionais e estrangeiros expressamente realizadas para o espaço da capela de Serralves.

Augusto Alves da Silva, o fotografo e videasta português desta vez convidado, propõe um espaço aparentemente neutro, obrigando desde logo o visitante a perder o seu sentido de orientação, e a mergulhar na obscuridade de uma sala negra (propositadamente construída para o efeito), iluminada apenas pelos oito televisores que estão localizados nos extremos e que, ordenados segundo a distribuição dos pontos cardeais, nos apresentam uma sequência de cerca de 15 minutos de imagens vídeo, fragmentada entre o silêncio e o ruído, a luz e a escuridão.

Confrontado com a desorientação provocada pelo contraste de luminosidade que caracteriza a passagem do exterior para o interior da sala, o observador é conduzido, através da luz emitida pelos ecrãs, a fixar-se no centro desse lugar que, aos poucos, vai adquirindo uma determinada configuração, fixando nitidamente a atenção de quem se deixar atrair por essa luz electromagnética.

De forma progressiva, o observador vê-se obrigado a deslocar diversamente o olhar em direcção aos monitores que, a espaços, emitem imagens e sons, estruturados no entanto sem qualquer ênfase narrativo, que começam por apresentar a paisagem tranquíla de um parque florestal, interrompido depois por imagens dispersas de transeuntes em azáfama citadina, secundadas ainda por “stills” porno que, de forma quase imperceptível e subliminar, remetem para uma intromissão do privado no lugar público. A irregularidade de percepção proposta segue assim para uma última sequência onde se veêm apenas ondas sinusoidais, definidas graficamente pelas três cores primárias da imagem vídeo (vermelho, verde e azul) e que acabam por se resumir a uma imagem branca e neutra.

Nesta instalação, questionam-se desde logo as noções de lugar e simulação, bem como o real e o virtual de uma orientação percepcional mais definida, mediante as tecnologias de som e imagem tornadas disponíveis ao longo deste século, e que remetem para a pesquisa que vem sendo seguida por Augusto Alves da Silva acerca da redefinição do lugar, enquanto território de identificação e reconhecimento, a partir da marcação quase abstracta de espaços e situações, localizados aqui segundo a orientação de quem vê, mais do que de quem vive.

A intencionalidade do jogo de referências espácio-temporais aqui articuladas, ditada pelas coordenadas de luz, som e imagem, que instintivamente orientam o olhar do observador, poderão ainda significar uma interrogação sobre o ritmo de percepção sensorial do sujeito, neste final de século caracterizado pelas transformações da nossa consciência, baseada sobretudo na imagem virtualizada, que assim torna reminiscente o lugar original que lhe serve de referência.

O trabalho agora apresentado peca apenas por alguma perda de eficácia ao nível da montagem relativamente ao efeito de escuridão, obrigando certamente a uma reflexão posterior por comparação com a próxima intervenção programada para espaço da capela, da responsabilidade de Gary Hill, mestre no desenvolvimento destas estratégias de percepção.

 

[versão original: in O Independente, 9 janeiro de 1998]