Integrada no ciclo dedicado aos “Amigos de Arpad e Vieira”, a presente exposição assinala também o centenário do nascimento do norte-americano Alexander Calder (1898-1976), um dos mais importantes escultores deste século. Na primeira mostra de Calder realizada no nosso país, são apresentados apenas cerca de 45 trabalhos provenientes da Galeria Maeght de Paris e de um coleccionador particular, que incluem sobretudo guaches, desenhos, litografias e águas-fortes. Mesmo assim, e apesar da fraca presença de “stabiles” e “mobiles”, esta é uma boa oportunidade para reflectirmos sobre o contributo fundamental da obra de Calder.
Com formanção inicial em engenharia mecânica, mas desde cedo atraído pela produção artística, inclusive por razões familiares (o pai e o avô eram escultores), Calder junta-se em Paris a muitos daqueles que no período entre guerras animavam a vanguarda europeia, oscilando entre a figuração onírica do surrealismo e uma abstracção rarefeita, de influência expressionista ou construtivista. Depois de realizar com sucesso uma série de esculturas em arame, sugeridas pelo mundo do circo, onde é ainda notório o domínio de uma figuração irónica de pendor surrealista, Calder aproxima-se do Grupo Abstraction-Création, que buscava então novos modos de articulação das formas essenciais, influenciado sobretudo pelos conseguimentos de Piet Mondrian e do grupo De Stijl.
Nesses anos, os processos decorrentes da análise formal conduzem Calder a uma particular assunção do valor abstracto da escultura moderna. Nascem então os “stabiles”, baptizados mais tarde por Hans Arp, em oposição aos “mobiles” (termo encontrado por Duchamp) que viriam a caracterizar a produção de Alexander Calder a partir do pós-guerra.
Os “stabiles” presentes nesta exposição são constituídos por pequenas maquetas para monumentais peças de arte pública, em que o domínio da forma procura a sua essencialidade, abandonando o excessivo carácter figurativo da maioria da escultura europeia dos anos 50 e 60. Ainda assim, e apesar da variedade matérica utilizada, os “stabiles” mantêm na sua maioria uma das características recorrentes de quase todo o objecto escultórico: a imobilidade. De outra forma pensados, os “mobiles” parecem querer animar fisicamente essas formas abstractas reveladas já pelos “stabiles”. De facto, ora suspensos no tecto, ora apoiados no chão, os “mobiles” são esculturas que introduzem, pela subtil estrutura das suas artilculações matéricas ou mecânicas, o valor da acção e do movimento dos elementos do próprio objecto, dependendo para isso apenas das condições variáveis do espaço interior e exterior envolvente.
Frágil e complexa teia de equilíbrios, os “mobiles” cumprem em parte o desejo de energia e movimento dinâmico anunciado já pelos trabalhos de Tatlin, Naum Gabo e, de outro modo, pela pintura de Marcel Duchamp, (Nu descendant un escalier nº2, 1912). Por outro lado, as experiências formais das esculturas de Calder aproximaram-no naturalmente de artistas como Miró, Arp, ou Sophie-Tauber, em especial por essa ambígua conciliação mantida entre o essencialismo da abstracção e o biomorfismo cósmico sugerido por algum surrealismo.
[versão original: in O Independente, 15 maio de 1998]