2011 O Jacaré e a macaquinha

O Jacaré

 

Para a minha filha Leonor

 

 

Certo dia, uma macaquinha muito divertida entrou na aventura de caminhar sozinha pela floresta. Ela sabia de todas as histórias de lobos e monstros que perseguiam meninas nas florestas, mas mesmo assim insistiu em continuar. Não tinha medo da floresta. Aliás, não haveria medo maior do que ficar sozinha à espera das aventuras. Isso sim é que lhe metia medo. Afinal, as florestas são lugares fantásticos e a macaquinha gostava de tudo o que tivesse muita fantasia. Fantasia é assim como uma mistura de imaginação e fantasmas. Umas vezes assustamo-nos, outras surpreendemo-nos com as coisas boas que nos acontecem. Por isso é que muitos escritores fizeram histórias à volta desses lugares estranhos que são as florestas. Lá podemos encontrar fadas boas que nos indicam o caminho ou pássaros que têm asas bonitas, mas gritam alto pela noite dentro.

 

Nas florestas, o som das árvores confunde-se com o murmúrio do mar e, por vezes, sentimo-nos sós e desprotegidos. Mas a macaquinha era muito corajosa e sabia que se mantivesse sempre o sorriso, todos os seres da floresta acabariam por ajudá-la nas suas aventuras. Afinal, ela era bem-disposta, gostava dos animais e acreditava que todos os sons da floresta eram assim como uma orquestra muito tonta que nos obriga a decidir se queremos sorrir ou chorar. A macaquinha sabia que chorar não era lá muito bom e atraía quase sempre os bichos maus, por isso, fez-se ao caminho na certeza que a floresta seria uma aventura alegre e inesquecível. Quando chegou perto do caminho da floresta, a macaquinha viu uma tabuleta que dizia “FLORESTA” e pensou que talvez fosse bom não olhar para trás, pois não sabia se perderia alguma da sua famosa coragem. Resistiu a olhar a cidade, lá ao fundo, com pessoas a caminhar, carros a buzinar e muita confusão também, e entrou pelo caminho indicado, sem mais pestanejar. Como ainda era de dia, a floresta apresentava um verde luminoso que cheirava bem como um perfume da mamã.

 

A macaquinha sentiu-se feliz e confiante, pois a floresta era afinal um lugar agradável e mais vistoso do que alguma vez lhe haviam contado. Por certo que as aventuras haveriam de chegar. Num lugar mágico como aquele, não demoraria muito até que algo memorável acontecesse. A macaquinha caminhou, olhou, ouviu e continuou, sempre atenta à floresta, às pedras, às árvores, aos sons e às cores que lhe surgiam ao caminho, mas a verdade é que, após algumas horas de caminhada, nada lhe perturbara o destino. Nenhum animal viera perguntar-lhe para onde ia, nem nenhuma fada aparecera entretanto. Sabia que haveria na floresta coelhos malucos com relógios gigantes, pois sabia da história da Alice. Sabia também que haveria lobos maus que a tentariam desviar para outros lugares, pois sabia da história do Capuchinho Vermelho. Sabia que, quando menos esperasse, uma fada haveria de resolver todos os seus problemas, lembrava-se da história da Cinderela. Mas, na verdade, se esta floresta parecia um lugar maravilhoso, era talvez demasiado tranquilo e com pouco que contar. A macaquinha não tinha tido ainda nenhuma aventura e tudo o que fizera resumia-se à observação das coisas belas que a floresta apresentava.

 

Para a macaquinha, caminhar sozinha pela floresta estava a revelar-se uma tarefa pouco aventurosa, e sem aventuras não havia diversão nem sorrisos, pensou. Mesmo assim, não desistiu de caminhar. Sabia que a floresta era um lugar surpreendente e talvez mais à frente pudesse avistar algo digno de nota. Caminhou, cantou e espreitou por entre as árvores, em busca de aventuras prometidas, mas que pareciam fugir assim que ela se aproximava. Esta floresta parecia que não tinha qualquer animal feroz, parecia mesmo que estava feita para provar que as florestas são afinal mais pacíficas do que as cidades e que apenas serviram no passado pela criar histórias que nunca haviam acontecido. A macaquinha estava a começar a achar que as florestas não eram tão assustadoras assim e que se havia que chorar era, afinal, por não haver qualquer espécie de aventura. Por isso, começou a ficar triste, pois sentia que a sua caminhada não estava a corresponder ao seu espírito de aventura. Faltava algo nesta floresta e ela já estava a ficar cansada e sem nada para contar. Já muito devagar, com as pernas pesadas e o passo lento, a macaquinha percebeu que o caminho da floresta acabara e restava apenas aos seus olhos um grande lago que parecia não ter fim. Chegou mesmo a pensar que talvez fosse o mar e, assim sendo, nada mais lhe restaria do que voltar para trás, pois não sabia nadar e, por isso, tinha medo da água. Desiludida e sem avistar ninguém, voltou-se de costas para o lago e disse: “Vou-me embora, isto não é justo! Venho de tão longe para ter aventuras e nada me acontece a não ser ver este lago tão grande e sem piada”.

 

De repente, quando a macaquinha se preparava para fazer o caminho de regresso, ouviu-se uma voz: “Onde vais macaquinha?”. E esta virou-se de imediato para ver quem falava assim com ela, mas não avistou ninguém e pensou que estava a sonhar ou que, de tão cansada, já ouvia vozes que não existiam. Mas a voz continuava: “Onde vais macaquinha?”. Desta vez, a macaquinha estava de frente para o lago e percebeu que nele se levantava a cabeça de um jacaré que agora se aproximava. Pensou em fugir, mas lembrou-se ao mesmo tempo que vinha em busca de aventura e que talvez fosse bom ficar e ouvir o que o jacaré tinha para lhe dizer. Por isso ficou quieta, quase imóvel, mostrando ao jacaré que não tinha medo dele. Quando o jacaré chegou perto da macaquinha, esta parecia tremer um pouco, apesar da sua famosa coragem. O jacaré levantou a cabeça e com a sua enorme boca disse para a macaquinha: “Não vás embora! Gostava de saber porque queres voltar para trás? Isso nem parece teu! Sei que és corajosa e enfrentas tudo por uma boa aventura!”. “Pois é, mas tenho muito medo da água. Não sei nadar e quando vejo muita água apetece-me chorar!” – respondeu a macaquinha já com uma cara muito triste. “Mas então se não sabes nadar, eu posso ensinar-te, pois não há ninguém que nade melhor do que eu e, além disso, se não sabes nadar, aprender a fazê-lo poderá ser a maior aventura da tua caminhada. Confia em mim”, disse o jacaré com um olhar amistoso, apesar da sua aparência ameaçadora.

 

A macaquinha estava indecisa. Por um lado, tinha medo da água e o jacaré não parecia ser um animal de confiança, mas, por outro, sabia que os jacarés nadavam muito bem e que se queria guardar uma história memorável desta caminhada pela floresta, então talvez aprender a nadar pudesse tornar-se numa grande aventura para mais tarde contar aos seus amigos. Mas o lago parecia agora muito ruidoso, fazia lembrar o mar e, por vezes, o mar parece-se com a floresta. A macaquinha estava confusa e com medo. “Jacaré, eu tenho medo da água e não sei se consigo aprender a nadar”, lembrou a macaquinha, sentando-se na margem do lago com um olhar triste. “Mas eu posso ensinar-te a nadar. Vais ver que aprendes rapidamente. Tenho a certeza de que vais conseguir. Afinal, és ou não uma macaquinha corajosa? Não te esqueças que atravessaste a floresta sempre atenta e curiosa, na verdade ultrapassaste a solidão em busca de aventura. Pois bem, a tua maior aventura é vencer o medo da água. Vais ver que nadar é das coisas mais divertidas que podes fazer na vida”, disse o jacaré com aquele ar de quem sabia que acabaria por convencer a macaquinha. Hesitante, a macaquinha meteu um pé na água, em sinal de concordância. O Jacaré sorriu e disse-lhe: “Vais ver que não custa nada. Nadar é fácil, basta vencer o medo”. Ainda a tremer de medo, mais da água do que do jacaré, a macaquinha agarrou-se à cauda do réptil e deixou-se levar para o meio do lago. Então, o jacaré disse com muita paciência e carinho: “Agora macaquinha, vais continuar agarrada à minha cauda e dar às pernas com toda a tua força, tenho a certeza que terás uma surpresa”. Primeiro, a macaquinha deu às pernas devagar, um pouco a medo, e o jacaré insistiu com ela: “Coragem, força macaquinha!”. Então, a nossa macaquinha juntou todas as suas forças, e de olhos bem fechados deu às pernas como nunca. Cheias de vontade e energia, as suas pernas rasgavam a água como numa corrida desenfreada. Eis senão quando, a macaquinha abriu os olhos e percebeu que eram as suas pernas que estavam a fazer com que os dois, o jacaré e ela, pudessem avançar pelo lago adentro. Pouco depois, o jacaré disse: “vês, já estás a nadar sozinha, nem precisas da minha ajuda!”. Na verdade, a macaquinha nadava sem a ajuda da cauda do jacaré e, ao lado dele, nadou até à outra margem do lago. Feliz e contente, a macaquinha abraçou o jacaré e disse-lhe: “Nunca pensei que pudesse aprender a nadar tão depressa e de um modo tão veloz. Mas com a tua ajuda consegui nadar e ver que afinal a água é uma coisa muito boa e divertida. Obrigada, jacaré”.

 

O jacaré estava muito emocionado, e com uma lágrima no canto do olho, disse à macaquinha: “percebes agora que o medo era a única coisa que te impedia de aprender a nadar. Se já havias vencido a floresta, também haverias de vencer as águas do lago. Sabes por que razão não encontraste monstros nem animais ferozes na floresta?”. “Não!” – exclamou a macaquinha. “Porque quando entraste na floresta já não tinhas medo nenhum, e assim foi fácil atravessá-la com alegria”, concluiu o jacaré. “Foi por isso que quando cheguei ao lago quis voltar para trás? Achas que foi porque fiquei com muito medo?” – questionou a macaquinha. “Sim, o medo é a única coisa que temos de vencer para podermos ser felizes e vivermos com aventura todas as coisas boas da vida. Como viste, só tive de te ajudar a vencer o medo. Depois, tu própria conseguiste arranjar força e coragem para enfrentar o lago e nadar tornou-se uma coisa fácil. Agora já podes pôr uma tabuleta nesta margem do lago a dizer “LAGO”. Verás que, da próxima vez, vais nadar com confiança e lembrar que, certo dia, um jacaré um pouco feio mas muito amigo te ajudou a combater aquilo que toda a gente sente algumas vezes na vida: o medo. Agora podes continuar as tuas aventuras e saberás que quando estiveres cansada e perdida, só terás de ter coragem e vencer o medo. Conseguirás alcançar assim tudo o que sempre sonhaste”, lembrou o jacaré, afastando-se da macaquinha para mergulhar no lago. A macaquinha fixou o olhar no jacaré e disse: “Nunca esquecerei o teu gesto. Agora sei que há sempre alguém que nos aponta o caminho quando estamos com medo e indecisos. Vou dizer a toda a gente que as aventuras valem mesmo a pena, e que as macaquinhas podem afinal ser amigas dos jacarés”.

 

O jacaré entrou na água com o sentimento do dever cumprido e, pela última vez, acenou com a cauda, despedindo-se assim da sua amiga. A macaquinha continuou o seu caminho, alegre e divertida como no início desta história. Talvez um dia volte à cidade da confusão para contar como são belas as aventuras e grande a coragem que mora no seu coração.

 

FIM

 

 

[imagem: ilustração de Vasco Gargalo]