Longe vão os tempos de “Os Juncos Silvestres”(1994), um dos melhores filmes não só de André Téchiné, como de toda a história do cinema francês. Passados mais de dez anos sobre essa obra-prima da Sétima Arte, Téchiné regressa com “Os Tempos Que Mudam” (produzido por Paulo Branco) a um dos seus temas favoritos: a amplitude do amor adolescente. Mas desta vez sob o efeito de um doloroso regresso ao passado que, a todo o momento, ameaça tornar-se futuro.
Depois de “31 anos, 8 meses e 21 dias”, Antoine (Gérard Depardieu) chega a Tânger não tanto para trabalhar num novo projecto de obra, como engenheiro civil, mas fundamentalmente para reencontrar e sobretudo reconquistar o seu primeiro e inesquecível amor: Cécile (CatherineDeneuve). Casada com um médico marroquino, de quem tem um filho que procura ainda um rumo para a sua própria vida, Cécile é uma mulher independente, aparentemente estável e sem sobressaltos. Mas Antoine insiste na sua demanda de um amor perdido. Para ele, o reencontro significa a última oportunidade de felicidade, invertendo para sempre uma vida de celibato forçado. Para ela, rever Antoine parece ter apenas o condão de reavivar ou “desenterrar” algo quase esquecido: o primeiro e mais intenso amor, vivido durante a juventude de um passado longínquo. Para ele, que trabalha na construção sobre a terra virgem, a mais bela metáfora deste filme, o presente e sobretudo o futuro estão intimamente ligados ao passado de ambos, e os anos, os meses e os dias passaram apenas na voragem de uma temporalidade exterior, pois o vínculo amoroso jamais se apagou da sua memória, crescendo inclusive, dia-a-dia, na densa “ausência” de Cécile.
Por mais absurdo que seja reencontrar um amor antigo depois de bater violentamente no vidro de um hiper-mercado e partir o nariz ao mesmo tempo que sofre uma forte dor de barriga, Antoine tudo fará a partir daí para reconquistar Cécile. De início, Cécile parece resistir, indiferente ao desesperado apelo do seu primeiro amante. A persistência de Antoine parece-lhe descabida, quase triste. Mas lentamente, aos poucos, dá-se uma verdadeira reaproximação entre os dois, como se as nuvens do esquecimento abrissem para um céu limpo e soalheiro como o do Norte d’África. No fim, como num sacrifício que prova a verdadeira dimensão do amor, um acidente voltará a unir os dois, desenhando um novo destino. Aí, Téchiné tem o seu momento de mestre, ao metaforizar o reaparecimento de Antoine como alguém que estava esquecido (ou enterrado) e é literalmente desenterrado (após ter sido soterrado num acidente de obra) para alcançar uma nova e merecida vida amorosa com Cécile.
Mas, apesar da centralidade emocional da ligação entre Deneuve e Depardieu, o último filme de André Téchiné parece resvalar para uma frágil ilustração da contemporaneidade quando aborda o tema da homossexualidade do filho de Cécile, quando faz passar a câmara pelos grupos de emigrantes ilegais que esperam o barco para Espanha, ou mesmo quando sublinha os problemas da globalização e miscigenação do planeta no conflito entre duas personagens gémeas que parecem pairar neste filme como uma adenda postiça e sem sentido. Téchiné prejudica assim, decisivamente, a exploração da metáfora da terra, comprometendo ao mesmo tempo o valor da sua última obra.
“Os Tempos que Mudam/Les Temps qui Changent” (França, 2004) * *
Realização: André Téchiné
Actores principais: Catherine Deneuve, Gérard Depardieu
e Gilbert Melki
(in Vida Ribatejana, 13-4-2005)