2021 Para uma recetividade da arte contemporânea

Para uma recetividade

 

Facilmente aceitamos a realidade, talvez por intuirmos que nada é real.
Sonhei a dúvida e a certeza.
Jorge Luis Borges

 

 

Sejam museus, galerias, ruas ou paisagens, todos os espaços onde a arte se apresenta transformam-se de imediato em lugares de especial foco e visibilidade. Dos seus protocolos nasce, sobre o que aí se ilumina, uma atenção que pode ser estética, mas também social e política. Por isso, qualquer um dos seus objetos (estéticos, documentais, antropológicos) ou gestos (conceptuais, casuais, performativos), clama a nossa curiosidade e descoberta, a nossa disponibilidade e participação, mas igualmente a fisionomia da sua condição histórica e cultural, tornada invisível nas convenções quotidianas dos seus dispositivos originais de produção (da mente à prática de atelier do artista). No fundo, o espaço de legitimação artística é um lugar de extraordinária projeção atenciosa, cuja atmosfera apela à criação de gestos de envolvência e concentração que convertem o tempo numa experiência particular, associada a maioria das vezes à celebração do espírito.

Recordemos, contudo, que depois do paradigma modernista, associado à exploração individual dos meios disciplinares, a transdiciplinaridade “pós-medium” (Rosalind Krauss[1]) das neovanguardas dos anos 1960 e 1970 veio reivindicar uma arte que não produz mais “objetos” de intermediação, antes “experiências” vividas entre artistas e público. Resultado dessa herança, já não experimentamos hoje a visualidade da expressão do sujeito ou a (re)presesentação do real, mas apenas a sua (a)presentação performativa, conceptual e instalativa. Por outras palavras, a materialidade (objetual ou outra) que a arte ainda nos apresenta não vale mais pela sua unidade autónoma, abandonando assim qualquer hipótese de perenidade, ao afirmar sobretudo a apropriação efémera e fragmentária da sua condição.

Por isso, a linha de fronteira sobre o que aceitamos como arte continua a viver o receio de reiterar propostas artísticas surpreendentes. Mas o medo perante o aparente desconforto da maioria das manifestações da arte contemporânea tem de ser contrariado, “escovado a contrapelo”, recuperando aqui essa imagem maior empregue por Walter Benjamin em relação à “dialética da história”[2]. Na ligação ao domínio da arte contemporânea, o observador deve abraçar uma aventura da significação e arriscar a experiência sem rede da sua leitura. Para isso, é necessário desenvolver todo um processo de iniciação crítica em torno da identificação dos paradigmas (técnicos, epistemológicos e conceptuais) que conduziram a arte clássica e académica à arte moderna, e desta à arte contemporânea.

Em termos muito genéricos, e usando aqui a imagem da «janela» para o mundo visível que representa um dos paradigmas da pintura renascentista, diria que o ilusionismo da «janela» aberta ao real sofreu um fechamento progressivo, desde os anos 1860 até 1920, deixando assim de representar uma ideia do real para passar a assumir, à evidência mais crua da monocromia pioneira de um Rodchenko, a planaridade absoluta da superfície pictórica. Depois da «janela» fechada, que muito afetou e afeta ainda a recepção da obra de arte, a pintura assumiu, aos poucos mas inevitavelmente, perante o seu despojamento total e irreversível, a sua condição de objeto. As telas pintadas ou os «quadros» passaram então (com a abstração pós-pictórica e as experiências shaped canvas) a dialogar de um modo mais ou menos evidente com o espaço envolvente, convocando uma relação inexorável com o white cube da arquitetura. Apesar de exigir ainda do observador uma concentração visual no objeto dado à contemplação, a sua depuração ou a sua simplicidade estética tendiam agora a perder-se na relação com o espaço, como uma experiência puramente percetiva e fenomenológica. Perante este «beco sem saída», o «salto mortal» que conduziu a arte moderna à sua condição pós-moderna (isto é, de uma arte autónoma, atraída pela pureza disciplinar, para uma arte que ousou a impureza do cruzamento das disciplinas e, pouco depois, a sua expressão transdiciplinar) acabou por determinar, com o minimalismo, a tridimensionalização da experiência artística, convocando novos sentidos para lá da visão, descentrando esta da atenção sobre o objeto autónomo para assumir a importância do «aqui e agora» expresso pelo corpo individual do observador (e, por isso, do tempo e da sua efemeridade) na experiência da receção da obra de arte. Esta deixou de estar ligada ao objeto autónomo (que exigia para si toda a atenção no mergulho percetivo e intelectual do observador, tornando-o ausente do real e do presente), para passar a traduzir uma expansão fragmentária e tendencialmente desobjetualizada da arte pelo site-specific. Para se concretizar, a arte precisava assim da experiência real (isto é, temporal, como expressão de um «presente» irrepetível) desse recetor agora convocado não tanto à contemplação da «janela» (aberta ou fechada), mas sobretudo à participação no resultado final da proposta artística. E é esta maior responsabilidade da recepção que prende o público ao medo da experiência, pois ela convoca a sua ação concreta, o seu envolvimento corporal e espacial.

Isto é, na passagem do moderno ao pós-moderno, assistimos à transição do intimismo contemplativo (e à sua inerente fuga ao presente vivido no espaço da relação entre a obra de arte e o seu recetor) para a manifestação participativa do corpo e do real vivido pelo recetor no momento da ativação da proposta artística. Não podemos esquecer que a arte esteve associada durante séculos a uma função evasiva, de mediação entre o real da contemplação e a evocação distanciada do real pelo exercício da sua (re)presentação.

De um modo mais ou menos generalizado, a arte contemporânea promove o exercício da (a)presentação do real, seja mais complexo ou perturbador, mais poético ou subtil, mais processual ou efémero, mas sempre real. No fundo, devemos estar atentos à linha de fronteira que as obras de arte dos nossos dias estabelecem entre o real e a própria arte porque, como nos lembra Arthur C. Danto, «confundir uma obra de arte com um objeto real não é um grande feito, quando a obra de arte é o objeto real com o qual a confundimos. O problema é como evitar tais erros, ou corrigi-los, depois de cometidos», dado que, conclui Danto, referindo-se a Bed (1955), uma das mais célebres combine-paintings de Robert Rauschenberg:« A obra de arte é uma cama e não uma ilusão-de-cama.»[3]

É afinal essa presença do real no lugar da arte que institui o divórcio entre o público e a arte contemporânea, instaurando um distanciamento aparentemente insuperável. Porém, observamos hoje, paradoxalmente, um crescimento exponencial do público da arte. Esse público é constituído pelas pessoas que, entre a rejeição e o risco, escolheram a aventura da experiência e da significação, ousando um processo de iniciação e conhecimento sobre os paradigmas que conduziram a arte desde a ilusão de um real aberto pela visualidade da (re)presentação pictórica, a uma assunção do real traduzida pela experiência artística de uma (a) presentação, isto é, de um «aqui e agora» cada vez mais exigente com o recetor da obra. Ou, como afirma Nicholas Bourriaud: «A obra de arte contemporânea não se posiciona como o fim de um “processo criativo” (um “produto finito” a contemplar), mas como um lugar de orientação, um portal, um gerador de atividades. Cada exposição contém o guião de uma outra; cada obra pode ser inserida em diferentes programas e servir múltiplos cenários. Ela não é mais um terminal, mas um momento na infinita cadeia de contribuições.»[4] Mas se nesta declaração de Bourriaud percebemos a transformação epistemológica de um «continuum» da arte, agora sem objetualidade, formalismo ou estabilidade de significados, marcada pela experiência de vitalidade do efémero e dos seus sinais etéreos – que alguns insistem em associar a uma ideia de Global Art, revelada sobretudo pela expressão de uma «alteridade», isto é, pela presença e circulação no sistema artístico internacional de «bienais» e «trienais», de obras de todas as geografias e de todos os diferentes estratos culturais que habitam o nosso tempo[5] – ela remete igualmente para a consciência de um certo «fim da arte», ou melhor, para o fim de uma «idade da arte» como representação e objeto.
Na verdade, devemos reconhecer que a partir de meados dos anos de 1980, a conceptualização do «fim da arte» torna-se central nas discussões sobre a possibilidade de continuarmos ligados a uma história da arte enquanto referência de disciplinas, tipologias, géneros, geografias e épocas. Este tópico tem sido decisivo para autores como Gianni Vattimo[6], Hans Belting[7], Donald Kuspit[8] e, de uma forma particular e continuada, também para Arthur C. Danto[9]. Na tese do crítico e filósofo norte-americano, não se tratava de proclamar o esgotamento da criação artística mas antes, como em parte nas teorias de Adorno e Belting, o final de uma certa história da arte ocidental. Em After the End of Art (1997), ele faz a síntese, um pouco na esteira da dialética hegeliana, sobre os caminhos e as «idades» da arte, que começaram com «uma era de imitação, seguida de uma era de ideologia», para se fixar, finalmente, no desmembramento fragmentário da «nossa era pós-histórica», na qual a obra de arte já não enfrenta, necessariamente, a obsessão da perenidade, do universalismo, ou «quaisquer constrangimentos estilísticos ou filosóficos»[10], apenas a liberdade da sua fluidez de apresentação declarativa, contextual, momentânea ou afetiva[11]. Por isso, e apesar da identificação de um «fim da arte», Danto não afirma a impossibilidade da obra de arte, e menos ainda a sua irrelevância na nossa contemporaneidade, apenas que as grandes ruturas conceptuais iniciadas nos anos 1960 – com a pop art , o neo-dada, o minimalismo e o todo o conceptualismo pós-minimalista – determinaram uma nova e mais radical situação, na qual, depois de Fountain, de Duchamp, de Bed, de Rauschenberg, e das Brillo Boxes, de Warhol, «As obras de arte podem parecer seja o que for, incluindo objetos perfeitamente triviais», isto é, que resultam de uma espécie de exercício mágico e incessante em torno da «transfiguração do banal»[12]. Porém, a magia dessa «transfiguração» diz respeito à «teorização» que passa a acompanhar a própria natureza da obra. Ou, mais do que «acompanhar», a essa «teorização» parece estar reservada uma função decisiva, pois há uma característica exposta pela produção da arte contemporânea que nos confirma, como dirá Danto, «que os objetos se aproximam do zero, enquanto a teoria sobre eles se aproxima do infinito, de modo que praticamente tudo o que há no final “é” teoria, tendo a arte finalmente vaporizado num deslumbre de pensamento puro sobre si mesma, permanecendo, de certo modo, apenas como objeto da sua própria consciência teórica.»[13] Há quem sublinhe o facto de as Brillo Boxes de Warhol não serem objetos readymade produzidos em série pela indústria que os tornou famosos, como se essa realidade diminuísse de algum modo a conclusão de Danto sobre o efeito de reconhecimento popular (mesmo que ilusório ou confundido) que a sua apresentação desde logo produz enquanto manifestação objetual do mundo do consumo no sistema da arte. Aliás, o jogo de simulacros produzido, por um lado, pela entrada de objetos readymade na arte e, por outro, pela reinscrição de uma nova artesanalidade reprodutora de objetos industriais enquanto novo reflexo dessa troca de identidades e significados, aponta sobretudo à observação das potencialidades infinitas dessa representação travestida[14]. Com efeito, e tal como desde o início reconheceu Danto, se é certo que as Brillo Boxes não são readymades mas réplicas, em contraplacado pintado, das embalagens de papelão dessa conhecida marca norte-americana de esfregões, não deixa de ser também verdade que com eles deliberadamente se confundem, através de uma aproximação extraordinária ao objetualismo que evocam. Esses cubos serigrafados com recurso a um realismo fac-símile assumem não apenas o mimetismo da imagem original (logotipo e cor), o mesmo formato geométrico do objeto, as suas medidas originais, como surgem dispostos no chão da galeria, à semelhança da apresentação no espaço comercial do supermercado, isto é, sem plinto ou qualquer outro suporte de exposição que os associe ao espaço da arte.[15]  Desse modo, e mesmo recorrendo ao efeito de uma artisticidade oficinal, a partir da impressão serigráfica nas cinco das seis faces do objeto cúbico, as Brillo Boxes acabam por favorecer, junto do observador, uma clara indistinção visual entre o objeto readymade de origem comercial e a sua réplica artística, invertendo ou curto-circuitando assim, em parte, o código original da prática readymade, inviabilizando ainda as possibilidades de confirmação do seu estatuto, pois a tatilidade da sua matéria objetual continua vedada a todos os visitantes que com elas se deparam. Essa é a razão pela qual Danto associa um «carácter readymade» às Brillo Boxes, pois o seu processo de legitimação e reconhecimento depende igualmente do valor da teoria. A partir daí, esta assume, como nunca antes, a função mágica de «consagração» do objeto, assegurando a sua entrada no «artworld». Os «crentes» da arte contemporânea «veem» assim, no significado teórico das palavras, o «trabalho» substancial responsável pela atribuição do estatuto de arte aos objetos que, nesse sistema, como tal se apresentam. Registe-se que, pelo menos desde Duchamp, esse «trabalho» de teorização da arte pode, afinal, ser partilhado entre os artistas e todos os observadores que respondam ao desafio, transformados eles próprios em potenciais teóricos da sua recetividade, e esse será já um outro modo, diferente da experiência minimalista do «aqui» e «agora», de responsabilizar o observador pelo resultado final da obra de arte. O que a «teoria», ou «a natureza textual» das obras, vem introduzir nesta equação é, afinal, a magia da crença, essa poderosa projeção simbólica, em tudo semelhante à «Palavra Sagrada» da religião, grávida de significado transfigurador. Segundo Hans Belting, tal como o «pão» e o «vinho» da cerimónia católica já não são apenas pão e vinho, transformados no «corpo» e no «sangue» de Cristo, a «cama» de Rauschenberg ou as «caixas» de Warhol já não são apenas objetos reais (ou, neste último caso, a sua paradoxal simulação), mas arte[16]. E é essa conclusão que causa uma profunda perturbação na consciência do que pode ser arte. Nas palavras do filósofo: «Pouco importa que a caixa de cera Brillo possa ser arte de boa qualidade, e muito menos uma grande obra de arte. O que impressiona é o facto de ser arte. Mas, se é arte, o que impede as indiscerníveis caixas de cera Brillo que estão no armazém de o serem igualmente? Ou ter-se-á desmoronado por completo a distinção entre a arte e a realidade?»[17] Talvez a distinção não se tenha desmoronado e tenha sido transferida, de modo progressivo mas cada vez mais evidente, do objeto para o contexto legitimador da sua receção, isto é, a instituição arte. Esta segue, apoiada pela teoria e por uma prática especializada, a sua função de valorização, com base no significado distintivo atribuído pelo protocolo de exposição e pelas palavras (ditas e escritas) que operacionalizam uma atenção especial sobre os objetos ou gestos que no espaço da arte são apresentados enquanto proposta artística.

Por isso, mesmo perante a insistência do autor em atribuir erradamente às Brillo Boxes de Warhol o estatuto apropriacionista de uma objetualidade readymade, podemos concordar, em tese, com a conclusão de Danto: «Em última análise, aquilo que distingue uma caixa de cera Brillo de uma obra de arte que consiste numa Caixa de Brillo é uma certa teoria de arte. É a teoria que a eleva ao mundo da arte e a impede de se reduzir ao objeto real que é (num sentido do “é” diferente do da identificação artística). É claro que, sem a teoria, é improvável que a vejamos como arte e, a fim de a vermos como parte do mundo da arte, temos de dominar uma série de teorias da arte.»[18] Por outro lado, esta familiarização com a teoria e a história da arte, não apenas é exigida ao observador como ainda ao próprio artista, que aos poucos se transforma em teórico dos seus trabalhos, traduzindo a sua realização enquanto simultânea reflexão sobre a viabilidade de uma prática que é, também, uma ideia de arte.

Esses trabalhos produzem assim, necessariamente, uma deliberada fusão com o real, que conduz todo o processo de identificação da arte a uma espécie de filosofia. Nesta situação de total e livre criatividade, de produção de «um» real que se confunde com «o» real, o papel do artista, diz Danto, «é filosofar através de meios visuais, usando todos os recursos que lhe pareçam adequados.»[19] Esta é, porém, uma declaração de carácter finalista, que visa confirmar, de algum modo, o vaticínio de Hegel, nas suas «Lições de Estética»[20], sobre a transformação da arte em filosofia, ou melhor, sobre a superação da natureza pela arte, e desta pela filosofia, mas ao qual se vai opor Nietzsche e, mais tarde, toda a análise pós-estruturalista de Derrida, Deleuze ou Lyotard, ao denunciar o racionalismo sem alteridade do exercício dialético hegeliano e a sua determinação no progresso do «espírito absoluto».

Se podemos duvidar, desde logo, da dimensão conclusiva e quase absoluta deste destino da arte e, mais ainda, sobre a sua condição irreversível, resta-nos testar, a cada oportunidade oferecida pela (a)presentação do real enquanto experiência de obra, o seu sentido e significado perante os derradeiros aferidores do seu valor, isto é, todos nós, observadores desarmados pela sua fulgurante passagem nas nossas vidas.

 

(imagem: Andy Warhol, Brillo Boxes, 1964)

 

References
1 Cfr. Rosalind Krauss, “A Voyage on the North Sea”: Art in the Age of the Post-Medium Condition, Londres, Thames & Hudson, 1999.
2 Walter Benjamin escreveu: “Não há documento de cultura que não seja também documento de barbárie. E, do mesmo modo que ele não pode libertar-se da barbárie, assim também não pode o processo histórico em que ele transitou de um para o outro. Por isso o materialista histórico se afasta quanto pode desse processo de transmissão da tradição, atribuindo-se uma missão de escovar a história a contrapelo.” Cfr. Walter Benjamin, O Anjo da História , (edição e tradução de João Barrento), Lisboa, Assírio & Alvim, 2010, p. 12 e 13.
3 Arthur C. Danto, “The Artworld”, in The Journal of Philosophy, 61, 1961, pp. 571-584.[Versão portuguesa, “O Mundo da Arte”, in O que é a Arte? A perspectiva analítica, (org. Carmo D’Orey), Lisboa, Dinalivro, 2007, p. 86.]
4 Cf. Nicolas Bourriaud, Postproduction — Culture As Screenplay: How Art Reprograms The World, Nova Iorque, Lukas & Sternberg, 2002.
5 A chamada «viragem pós-colonial» na apresentação da arte contemporânea como «arte do mundo» iniciou-se com a célebre exposição coletiva Les magiciens de la terre, que o Centro Georges Pompidou apresentou em 1989, em Paris, pela mão curatorial de Jean-Hubert Martin e teve, ainda nesse ano, uma outra etapa fundamental, a grande exposição The Global Contemporary Art Worlds After 1989, realizada pelo ZKM (Zentrum für Kunst und Medientecnologie) de Karlsruhe, na Alemanha. Aí se promovia uma espécie de Art World que tentava fugir ao modelo universalista e eurocêntrico do modernismo, inscrevendo na ótica pós-moderna uma esperança de praticar a afirmação de uma «verdadeira» arte global, isto é, uma «arte mundial» de todos os continentes, povos e culturas. Para uma leitura sobre o conceito de «Arte Global» cf. AA.VV., The Global Contemporary and the Rise of New Art Worlds, (edição de Hans Belting, Andrea Buddensieg e Peter Weibel), Karlsruhe, Cambridge, Mass./Londres, ZKM/MIT Press, 2013.
6 Em O Fim da Modernidade, de 1985, Gianni Vattimo chega a afirmar «a morte ou o declive da arte», a partir do reconhecimento de que, nas «obras em terra, body art, teatro de rua, [nas quais] a categoria de obra regressa constitutivamente ambígua: a obra já não busca um êxito que lhe permita identificar-se num determinado conjunto de valores (o museu imaginário de objetos que possuem uma qualidade estética)». Cf. Gianni Vattimo, La Fine della Modernita, Milão, Garzanti Editori, 1985.
7 Cf. Hans Belting, The End of the History of Art, Chicago, University of Chicago Press, 1987.
8 Donald Kuspit conclui, em 2004, com o seu lacónico The End of Art, que a arte acabou porque perdeu a sua importância estética. Para ele, a arte foi substituída por uma postart, um termo inventado por Alan Kaprow como nova categoria que elevava o banal sobre o enigmático, o escatológico sobre o sagrado, a inteligência sobre a criatividade. Cf. Donald Kuspit, The End of Art, Nova Iorque, Cambridge University Press, 2004.
9 Cf. Arthur C. Danto, op. cit. Cf. de Arthur C. Danto, After the End of Art, Princeton, Nova Jersey, Princeton University Press, 1997; e ainda The Philosophical Disenfranchisement of Art (1986); Beyond the Brillo Box: The Visual Arts in Post-Historical Perspective (1992); The Abuse of Beauty (2003).
10 Cf. Arthur C. Danto, After the End of Art, 1997, [edição espanhola, Después del Fin del Arte, Barcelona, Ediciones Paidós Ibérica, 1999].
11 Tal como conclui Hal Foster: “A maneira prevalecente de ver arte hoje em dia é afetiva. Se Kant retornou a antiga pergunta ‘A obra é bela?’ e Duchamp formulou a indagação da vanguarda ‘A obra é arte?’, o nosso critério principal parece ser ‘Essa imagem ou objeto me comove?’ Se antes falávamos da ‘qualidade’ de uma obra a ser julgada em comparação à grande arte do passado e, depois, sobre o seu ‘interesse’ e a sua ‘criticidade’, ambos medidos pela relevância em relação à estética contemporânea e/ou a debates políticos, atualmente buscamos o pathos, que não pode ser testado objetivamente nem sequer ser muito discutido.”, in Hal Foster, O que vem depois da farsa? Arte e crítica em tempos de debacle, (2020), (trad. português do Brasil por Célia Euvaldo, com colaboração de Humberto do Amaral), São Paulo, Ubu Editora, 2021, p. 14.
12 Cf. Arthur C. Danto, The Transfiguration of the Commonplace, 1981, [edição brasileira, A transfiguração do lugar-comum, São Paulo, Cosac Naify, 2010].
13 Arthur C. Danto, The Philosophical Disenfranchisement of Art, Nova Iorque, Columbia University Press, 1986. [edição brasileira, O Descredenciamento filosófico da arte (prefácio de Jonatham Gilmore e tradução de Rodrigo Duarte), Belo Horizonte, Autentica, 2015, p. 148].
14 Para além de Andy Warhol ou Claes Oldenburg, entre outros, que, no primeiro momento da pop art norteamericana, reproduziram artisticamente objetos da sociedade de consumo, também Jeff Koons realiza desde os anos 1980 e 1990 várias transferências de sentido e materialidade que confundem o observador da obra de arte. Este nunca tem a certeza se o que está perante si é um readymade ou uma réplica artesanal desse objeto supostamente produzido em série.
15 “O Sr. Andy Warhol, o artista pop, expõe fac-símiles de caixas de cera Brillo, em pilhas muito bem arrumadas, como se estivessem no armazém de um supermercado. Por acaso, são de madeira, pintadas para parecerem de cartão, e por que não? […] Acontece que o preço destas caixas é 2×103 o das suas contrapartes domésticas da vida real, uma diferença dificilmente atribuível à sua maior durabilidade. De facto, os fabricantes de cera Brillo podiam perfeitamente, com um pequeno acréscimo de custo, fazer caixas de cera em contraplacado, sem que estas se tornassem obras de arte, e Warhol podia fazer as suas em cartão, sem que deixassem de ser arte.”, in Arthur C. Danto, “The Artworld”, in The Journal of Philosophy, 61, 1961, pp. 571-584. [Versão portuguesa, “O Mundo da Arte”, in O que é a Arte? A perspectiva analítica, (org. Carmo D’Orey), Lisboa, Dinalivro, 2007, p. 92.]
16 Cf. Hans Belting, No crepúsculo do modernismo. Arte e teoria da arte em competição, (trad. port. de A. Morão), Lisboa, Ymago Project, 2011.
17 Arthur C. Danto, op. cit., p. 93.
18 Arthur C. Danto, “O Mundo da Arte”, in O que é a Arte? A perspectiva analítica (org. Carmo D’Orey), Lisboa, Dinalivro, 2007, p. 94. Mesmo que aceitemos menos adequado o exemplo artístico das Brillo Boxes para compreender a tese de Danto, pois, na verdade, a obra de Warhol não é constituída, em todo o caso, por caixas Brillo reais (mas fac-símiles) transferidas para o mundo da arte – pelo menos em termos estritamente objetuais, pois em muitas outras dimensões assim acontece -, sabemos igualmente que a tese do filósofo americano podia ser sustentada por outros exemplos de afirmação artística, de Duchamp a Rauschemberg, em que o caracter readymade da obra de arte constitui uma realidade consensual. Mais decisiva do que a obra em concreto que espoletou a tese de Arthur Danto será a sua conclusão sobre o valor incontornável da teoria no processo de legitimação da obra de arte contemporânea desde, pelo menos, a segunda metade do século XX, a partir sensivelmente das chamadas neovanguardas.
19 Ibidem.
20 Cf. Hegel, “Licões de Estética” (1820-1829). (versão portuguesa, Estética, trad. port. Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino, Lisboa, Guimarães Editores, 1993).