1998 Tinguely Bar Jean Tinguely

Tinguely Bar

 

La seule chose stable est le mouvement – partout et toujours

Jean Tinguely

 

 

Embora desequilibrado, o conjunto de obras de Jean Tinguely (1925-1991) agora exposto na Galeria 1991-João Graça apresenta algumas particularidades curiosas. Se predominam os desenhos – importantes no contexto projectista e sistemático das “máquinas” de Tinguely – eles configuram apenas uma escassa aproximação ao melhor do artista suíço, ou seja, os seus inebriantes objectos maquínicos, quase sempre enérgicos e desfuncionais o suficiente para nos envolverem por completo numa espécie de inquietação estética e vivencial.

A maioria das obras que podemos ver nesta exposição resume-se ainda, para além desses desenhos reveladores, a algumas esculturas de ferro e luz que faziam a decoração do “Tinguely Bar” (ou “Bar Le Tinguely”, no Palace Hotel), situado na cidade lacustre de Lausanne (Suíça), antes de se fixarem definitivamente no “Museum Tinguely” (em Basileia, também na Suíça), após a morte do artista. Nesses trabalhos, datados de 1991, é possível encontrar ainda algumas das características que fizeram a originalidade da sua obra.

Escultor suíço de origem francesa, Jean Tinguely trabalhou em Paris, a paritir dos anos 50, uma escultura cinética muito particular, por ele chamada de “meta-matic”. Humor e ironia, na esteira de um dadaísmo provocador, estabeleciam o carácter das suas estranhas construções mecânicas. A sátira cruzava-se então com o questionamento sobre os paradigmas do modernismo tecnológico e artístico, como nessa autodestrutiva e laboriosa composição, intitulada, “Hommage a New York” (1960), aí se aproximando também do “Happening”, da acção, e de uma multidisciplinaridade avassaladora na sua concepção e resultado.

Nos anos 60, o crítico françês Pierre Restany encontrou no “Nouveau Réalisme” dos trabalhos de Jean Tinguely, Niki de Saint-Phalle, César, Arman ou Spoerri, uma expressão francesa para o neo-dadaísmo que então se afirmava num contexto internacional influenciado sobretudo por um consumismo crescente revelado em nova iconografia: a da banalidade urbana, ou a do objecto usado e tornado lixo pelas sociedades do capitalismo avançado. Contudo, baseado num forte imaginário de origem surrealista, Tinguely prefere então trabalhar o “object-trouvé” no quadro de um dinamismo inoperante e caótico, sugerido não só pela paixão futurista pela máquina e o homem moderno, como pelo geometrismo construtivista de Malevitch e as fantásticas construções “Merz” de K. Schwitters – referências fundamentais para entender as “máquinas rebeldes” que Jean Tinguely vai construindo meticulosamente, aos longo dos 60 e 70.

Rodas e roldanas, pequenos e grandes motores eléctricos dão vida a uma escultura que se quer interrogativa pela magia que transporta ruidosamente nesse movimento constante. Tinguely surge assim ao lado de Alexander Calder como feiticeiro-cientista de uma arte cinética e apropriacionista que procura, sem nunca encontrar, um novo caminho para a humanidade. Tautológicas, estas peças (de que podemos encontrar na exposição apenas três pequenos exemplares…) fazem a apologia da loucura, do irreal sonhado entre projectos e experiências aparentemente inconsequentes, mas que marcam o desejo da transformação do mundo, mediante a obra de arte.

 

(versão original: in O Independente, 12-6-1998)

 

(imagem: Jean Tinguely, Homage to New York: A Self-Constructing
and Self-Destroying Work of Art Conceived and Built by Jean Tinguely, 1960)