De voltas trocadas, entre a comédia de alcova (a fazer lembra o cinema clássico de Ernst Lubitsch) e a sofisticação comportamental, este “Eros Terapia” toma o lugar de um exercício leve mas burlesco em torno dos (des)encontros do amor. Na verdade, na sua expressão eminentemente satírica, os sentimentos amorosos traduzem-se aqui sempre, desde o início, numa espécie muito particular de desespero maníaco.
Perscrutando uma possível sinopse, sabemos que um casal (quase de meia idade) assumiu recentemente uma ruptura, mas a separação, tal como a narração de toda a história, é-nos revelada por Adam (François Berléand), um advogado confuso quanto ao “modus operandi” (tendo mesmo chegado a pensar no suicídio) de reaproximação à sua ex-mulher Agnés (Catherine Frot), que afinal é lésbica e parece conviver bem com a sua “nova” sexualidade. A partir daqui, toda e qualquer hipótese de normalidade é pura coincidência. A nova versão da chamada “comédia de divã à francesa” desenvolve então uma rocambolesca diversão que convoca uma vasta plêiade de personagens excêntricas, como a crítica de cinema Catherine (protagonizada por Isabelle Carré, e espécie de alter ego da própria realizadora) ou Bruno (Melvil Poupaud), o mestre-de-cerimónias de um bizarro “consultório de psicologia sentimental”, onde uma sádica “dominadora” oferece aos seus clientes alguns episódios de humilhação sensual, reanimando o espectro de sentimentos profundos, longamente recalcados.
A comédia à volta do “consultório” progride assim numa atmosfera de bizarria libidinosa, na qual tudo se move a partir do encontro ocasional, observado numa festa, entre Bruno e Adam. Este é convencido por Bruno a não desistir da reconquista do seu amor, pois também ele tem um plano para salvar Catherine (a jovem crítica de cinema e amante de Agnés). Na verdade, Cupido fará a sua magia conduzindo Bruno aos braços da renitente Catherine. Portanto, os dois homens têm interesse nas duas mulheres amantes. Se Safo leva a melhor na primeira metade do filme, onde a homossexualidade feminina parece confiante nos seus argumentos, já o final revela uma espécie de terapêutica ironia sobre as convicções e convenções dessa mesma experiência sentimental e amorosa, como se a homossexualidade carecesse dos mesmos clichés e teimosias heterossexuais. Depois de Bruno finalmente convencer Catherine da sua própria heterossexualidade, após muitas peripécias, tramas e simulações (por vezes hilariantes), o próprio casal Adam e Agnés volta à sua rotina inicial, o que se revela, uma vez mais, bastante surpreendente, pois descobrimos que, apesar do esforço de Bruno em ajudar o amigo a ter a Agnés de volta, a felicidade desse casal passava necessariamente, na verdade, pela ligação sexual a uma outra e ocasional mulher, num triângulo de sensualidade que apenas havia sido quebrado pelos sentimentos aparentemente profundos, e por isso “perigosos”, entre Agnés e Catherine. Quebrado o feitiço, Adam recupera a sua vida de amor entre duas mulheres, mas desta vez sem qualquer receio de um novo “desvio” ou envolvimento sentimental “anti-natura”.
Humano e divertido, ainda que sem qualquer rasgo de genialidade, este “Eros Terapia” joga com os acasos da libido sem olhar a sexos, idades ou classes sociais, envolvendo todos, por completo, nessa suprema ironia do destino que é o amor.
“Eros Terapia” (França, 2004) **
Realização: Danièle Dubroux
Actores principais: François Berléand, Catherine Frot, Isabelle Carré e Melvil Poupaud
(in Vida Ribatejana, 16-3-2005)